Sedentarismo

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Renato, dezessete anos, neto preferido do senhor Augusto, visitava o idoso na casa de repouso.

O avô achou que Renato estava um tanto mais gordo do que na última visita, mas nada disse sobre isso.

Sentado ao lado do idoso, o rapaz tentava entender a conversa que rolava bem perto deles.

Dois velhinhos, muitos anos mais velhos do que o próprio avô, ao mesmo tempo em que viam televisão, conversavam:

"Nós dois aqui sentados fazendo nada e você viu a pesquisa que saiu que diz ser o Brasil o país com maior índice de sedentarismo da América Latina? Viu, Aníbal?"

"É mesmo, Narciso? Mas essa não é uma notícia falsa, não? Uma tal de fake news, como andam dizendo agora? Sedentarismo? Como pode ser isso se choveu tanto neste ano, se tem tanta água, tantos rios nesse país? Se quiser, é só o governo fazer um viaduto e levar água do rio Amazonas pra onde tá faltando e aí fica resolvido, não?"

"Não, Aníbal. não é de sede de água de rio, de fonte ou de poço, que eu estava falando. E se o governo fosse transportar água construía aqueduto, não viaduto. Eu estava falando de ficar sentado, fazendo nada, vendo televisão muito tempo, por exemplo. Isso que é sedentarismo."

"Ué, mas que mal tem ver televisão? Durante os comerciais a pessoa pode se levantar e ir até a cozinha tomar um copo de água gelada e matar o sedentarismo, não pode?"

"Sedentarismo se mata de outro modo, Aníbal. Caminhando, fazendo alguma atividade física. Matar a sede é outra coisa, aquilo que você estava querendo dizer. Que é o que eu vou fazer agora mesmo, que minha boca está seca de tanto falar. E depois vou aproveitar para tirar uma água do joelho."

"Espere aí, Narciso! Então aí você vai fazer a coisa errada, beber água e depois tirar ela fora? Não entendi isso, de jeito nenhum."

"Não entendeu mesmo, Aníbal, nem podia entender: você não se lembra mais de que tirar água do joelho significa urinar?"

Aníbal olhou para um lado, depois para o outro, balançou a cabeça para a frente e para trás, como se isso pudesse ajudá-lo a se lembrar de algo e então falou:

"Ah, é verdade, Narciso, agora me lembrei, mas a gente costumava dizer mijar, não urinar. Então, depois de beber vá mijar, mas com cuidado para não molhar os sapatos, porque na nossa idade jactância não combina com abundância de urinância, você sabe."

"Tá bom, Aníbal, tá bom. Sedentarismo mata, mas rima ruim como essa sua é de deixar o sujeito aleijado do ouvido..." Narciso se levanta e sai de cena.

O avô, até então calado como Renato, pergunta:

"Meu neto, esse negócio de ouvido aleijado, já tem algum médico estudando mais essa doença de gente velha, que eu desconhecia?"

Renato, meio aflito, retruca:

"O que foi, vovô?

Desconhecia o quê?

Pode falar mais alto que eu não estou ouvindo muito bem o que o senhor está dizendo?"

(A cortina se fecha em seguida. Apenas os pais de Renato aplaudem os atores. Os demais espectadores se dirigem à gerência do teatro a fim de pedir de volta o dinheiro pago pelos ingressos.)