Eminente visita
Do alto de seu púlpito, o padre Florisnaldo era júbilo só ao anunciar aos paroquianos da remota cidadezinha de Capão das Corujas para bem breve a vinda do Senhor Bispo da Diocese, Sua Eminência Dom Deocleciano para a visita pastoral, que não se fazia há mais de uma década...
E o Padre Florisvaldo lembrou aos fiéis dos benefícios que decorreriam daquele evento: missa campal, celebrada pelo Prelado, cerimônias de crisma, aula magna do catecismo, visita ao ginásio municipal para uma palestra bíblica e até um quantum de diversão, com ensinamentos sobre o jogo do gamão...
Aplaudido intensamente, o pároco deu ali, após a missa, início a detida preparação para o grande e santo dia de Capão das Corujas, cidade afortunada, passou a dizer...
O tempo correu...e tudo ia correndo bem quando justamente já anunciada e confirmada a chegada do trem pelo chefe da estação, com algum atraso como convém em tão solene ocasião, eis que o Padre Florisvaldo recebe apelo urgente para dar extrema-unção a um pio fazendeiro que vivia fora da cidade.
Quase sem fôlego, Padre Florisvaldo incumbe o sacristão Genibaldo de representá-lo na chegada de Dom Deocleciano à estação e de conduzi-lo na já bem ajaezada charrete à modesta mas sempre acolhedora casa paroquial. E antes de picar a mula para o divino ofício dos santos óleos, tece pressurosa recomendação o jovem atencioso, porém um tanto estouvado, Genibaldo:
- Filho, escreva aí no papel para não esquecer, leia e releia para erro não cometer: Dom Deocleciano é autoridade episcopal e deve ser tratado sempre por Vossa Eminência...guarde bem, repita comigo, e não esqueça: Vossa Eminência...
Com coisa de uma hora, o apito do trem chegando e Genibaldo, que já estava na estação se lembra do papel, mas da forma de tratamento, não...corre em casa no desespero e retorna, no galope, esfalfado...
e, para sua surpresa, Dom Deocleciano, atracado, suarento e vermelho como um pimentão já caminha na plataforma sobraçando duas pesadas malas - sem rodinhas...como soía naquela épica época...
Genibaldo, mal tira o chapéu e, aos arranques, saúda o ilustríssimo visitante:
- Eminência, Eminência, Vossa Eminência há de estar fatigada com a viagem e a espera...
Ao que vem a resposta, tão logo as duas malas retumbam no piso ruidoso da estação, e Sua Eminência coloca ambas as mãos na volumosa cintura:
- Cansada...? Olha, meu jovem, eu estou é morta...!