Coleguismo profissional*
O Raimundo Nonato batalhou. De modesto começo, como lenhador e camponês, após tanto murro em ponta de faca, a viajante chegou. Boiadeiro, carreiro, carvoeiro, ajudante de pedreiro, muito labutou.
E vindo pra cidade, até na madureza, a mão acertou. E se tornou confiante viajante da Antártica, cobrindo uma vasta região interiorana. Sempre vestido no melhor apuro que a nova condição lhe recomendava. Chegou até a ter a companhia de uma Bíblia. Além da invariável mala marrom, de alça de metal.
Duma feita, tendo tomado o trem para empreender novo giro, custou achar um assento. Justamente do lado do corredor, ao fundo do vagão, onde já se encontrava um padre parrudo, com os olhos metidos num breviário.
Gentil, por natureza, e treino, Nonato - como a maioria dos piauienses
de boa cepa - fez amistosa saudação:
- Boas tardes, colega, dá a bondade de ser seu companheiro de viagem...?
Ao que o padre reagiu, corado, incrédulo, e em tom desafiador:
- Colega? De onde tirou essa?
- Com todo respeito, Reverendo, afinal, o Senhor não é o representante de Cristo..? Eu, modestamente, sou o da Antártica...
(A partir de uma história contada pelo Doutor Tarcísio Lemos, em Zé Tocafundo)