O CACHORRO QUE NÃO GOSTAVA DE POLÍCIA

O cachorro de focinho branco viu aquele monte de gente vestida igual e achou muito estranho. Inclinou levemente a cabeça enquanto a orelha esquerda ficava em pé. Uma ruga surgiu entre seus olhos.

Os policiais o ignoravam e mantinham a postura que estavam. Alguns em pé, outros sentados, mas todos cansados. O dia de trabalho já havia acabado e agora, depois de mais de nove horas em pé, depois de cumprida a missão, esperavam a condução prometida pelo comando da polícia militar para levá-los de volta ao quartel.

O cão nada tinha a ver com isso. Abriu levemente a boca mostrando os dentes cor de pasta de amendoim e começou a ranger.

- Esse cachorro não gosta de polícia! - Comentou um soldado.

- Ninguém gosta! – Respondeu o cabo.

- Acho que ele deve ter feito alguma coisa errada. Tem cara de suspeito! – Brincou um segundo soldado.

- É, deve ser traficante. Traficante de “Dorgas”! – Respondeu o cabo com um sorriso na boca, achando que seu trocadilho havia sido genial, mas os soldados nada responderam e um deles, achando o trocadilho uma bosta, sentiu desejo de expressar (não o fez por respeito a hierarquia) que o cabo lhe parecia um pouco retardado.

O cachorro começou a latir e o sargento, que estava quase cochilando, se emputeceu:

- Cala a boca VIRA-LATA!! – Gritou o sargento com impaciência, o que fez o cachorro latir ainda mais e mais alto.

O sargento ensaiava levantar-se quando um homem de uns setenta anos, barba longa e branca chegou do lado do cachorro de focinho branco que parou de latir no mesmo instante passando a balançar o rabo de um jeito diferente que lembrava o giro da hélice de um ventilador. O homem levou a mão direita a cabeça do cão e o acarinhou usando as pontas dos dedos e o animal pareceu esboçar um sorriso enquanto emitia gemidos de prazer.

O cachorro pareceu esquecer completamente os policiais e saiu escoltando o dono, mas quando já estava a certa distância lançou um olhar maligno para o sargento como quem avisa:

“Gravei seu rosto e seu cheiro. A gente ainda vai se encontrar”