É Fort-Leve, Doutor…?
O objetivo do Doutor Furquim era facilitar as coisas pros outros, tanto necessitados de conseguirem a sua habilitação para a condução de veículos. E de facilitar para si, também, pois os muitos anos de existência iam pesando e lepidamente passando. Demais, tinha confiança no seu taco e no daqueles em quem fazia confiança.
Cabia-lhe, na única clínica licenciada pelo Departemento de Trânsito na cidade e no seu entorno, realizar o exame de vistas, que pelo seu treinamento e prática, já não requeria aquela angustiosa leitura de letrinhas que iam diminuindo, diminuindo até se tornarem menores do que as das bulas de remédio. Menores e mais embaralhadas, é bom que se diga.
Assim quando adentrou o jovem Nandir, quase cinquentão, operador de uma mulitplicidade de tarefas, que iam do ofício de pedreiro - colher inteira - ao de cuidador de anciãos incapacitados - de que se desincumbia com um zelo exemplar, o douto e expedito Furquim, fê-lo assentar e, após perguntar como andava vendo o mundo, no passo seguinte, tapou-lhe um olho com uma espátula e mandou-o olhar pela janela e descrever o que se descortinava aos seus olhos, comprouve-se em ouvir que a visão que mais se destacava era a de uma caixa d´água, azul escura, no topo de um telhado.
A pergunta seguinte, e final, e que se aplicaria também ao outro olho, foi:
- Pode me ler o que vê escrito na dita caixa d´água?
Sem pestanejar e, a rigor, mesmo sem olhar, Nandir respondeu na bucha:
- É Fort-Leve, doutor.
E foi aprovado. Até por antecipação, já que o outro olho, por simetria, ao companheiro, igual resposta repetiria...