Jactâncias de Dona Epiphânia
Dona Epiphânia era só louvação para se referir ao marido, médico bem-sucedido, bem conceituado, um baluarte da decência e moralidade da cidade e que ..."jamais havia errado um diagnóstico..." em uma carreira, brilhantíssima, que já ia completar 30 anos...
E Dona Epiphânia não se cansava, ao contrário, se comprazia e se exaltava na presença de amigas, senhoras do mais alto coturno da sociedade. E vamos encontrá-la tecendo seus encômios ao marido num almoço que anfitrionava em sua mansão para mais de duas dezenas de embevecidas admiradoras do casal.
Entre as serventes dos acepipes, encontrava-se uma novata, mocinha ladina, que Dona Epiphânia recrutara num povoado vizinho. Espirituosa, saudável e de estonteante beleza, a moça parecia deslumbrada com aquele ambiente de sonhos e a perspectiva de conquistas futuras nos estudos, na ambientação social, e numa carreira decente que a tiraria da abjeta pobreza em que vivia com seus pais e numerosos irmãos.
E tudo ia bem, com a refeição já servida quando a novata, Almerisa, ao estender a bandeja para que a patroa pescasse sua langouste grillée à la marquisienne, quando a mocinha cometeu o pecado de fazer uma pergunta:
- A senhora confirma o que disse que o doutor nunca errou um único diagnóstico?
Dona Epiphânia mal se contendo diante daquela petulância, reafirmou
com autoridade:
- E tens alguma dúvida? Eu já disse alguma inverdade? Trago-a aqui para lhe dar uma oportunidade de ouro, de formação e polimento, e você vem colocar em dúvida a minha palavra, perante minhas ilustres visitantes...?
Ao que, cabisbaixa, Almerisa, redarguiu:
- Num duvido não sinhora, de jeito maneira, quem sô eu pruma tal ousadia e desrespeito. Mas o certo - firmando a voz - o certo é que num vou mais trabalhar aqui não. A sinhora num imagina que quando trombou comigo no corredor, só de olhar pra mim, sem ao menos me conhecer, já foi logo falando:
- Você não passa da meia noite de hoje...