Palavrões fofinhos falados em Boteco

No alto, logo na entrada, o nicho da Santa iluminada pela vela. Teias de aranha cobrindo a pintura. Cervejas pousando nas mesas. Respingos de cachaça descendo nos cantos dos balcões molhando as goelas dos santos.

Um senhor alto, narigudo, boca de chaminé chama mais uma. Faz o ritual: passa a cana que passarinho não bebe ao redor das orelhas, faz o sinal da cruz e manda pro peito: "Tudo que faço na vida é por ela".

Na outra mesa, um Cervinho, mania charmosa que ele adotou para ser chamado, pois dizer Viado é discriminação dessa espécie, falando sozinho, pita um cigarro na boa. Vez para outra, enrola-se com as palavras, rosna coisas inaudíveis, tal qual os anéis de fumaça que manda para o ar.

Encostado no balcão, Zé Pilintra escarnece o mundo. O primeiro da lista é o diabo; pois como ele diz para a turba "Deus merece crédito", e o motivo é por tê-lo feito mais que perfeito; preguiçoso é verdade, mas de corpo perfeito. Curtido.

Um canastrão assobia para as damas que passam requebrando em cima do tamanco na rua. De vez em sempre, dá o brado" Ô paga uma pra mim". Seu alvo desse vez foi o narigudo, que além de adorar ser adulado pelo pedinte, bota tudo a perder quando chamado de Macarrão. É ouvir, já sabe o que acontece, né leitor.

De repente um certo desentendimento paira no ar: "Não vou pagar, não". Toda hora agora? Vai trabalhar para pagar seu vício; vagabundo".

O Cervinho resmunga consigo: "Putz, trabalhar, o que significa essa palavra". Ao ouvir novamente a réplica de Macarrão ao pedido do Canastrão, Cervinho desmunhecando pergunta para Macarrão: "O que é trabalhar fulano".

Macarrão vermelho de raiva, diz pausadamente: "é dar o rabo. Isso: dar o rabo, entendeu? Preciso repetir"?

- Nossa, como eu gostaria tanto de trabalhar; mas com esse monte de megera nas ruas, está tão difícil de encontrar um bofe para fazer o serviço de casa".

Ao que o Canastrão volta à cena: "Não te falei Macarrão, viu. Não era para falar em trabalho. Seja mais gentil".

O Cervinho pergunta para o Canastrão: "Quem é Macarrão?".

- É a puta que te pariu.

- Nossa, vou embora, que mau humor desse povo; meu Deus. Põe no meio, nas beiradas; até até na mãe da gente. Estupram mesmo, mas só com palavrões fofinhos. - o Cervinho foi para outro Pasto, que é o nome dos botecos daquela vila.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 17/07/2016
Reeditado em 17/07/2016
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