Rastros de Dom Casmurro
Saio de manhã,
e o porteiro me diz “bom dia”.
Algum interesse guardado!
Não se cumprimenta alguém assim,
sem segundas intenções.
Espera que eu lhe ofereça um sorriso.
“Jantar de graça não há”.
Se eu não lhe retribuo o cumprimento,
pode me ameaçar.
Falar mal de mim, me prejudicar.
Que dilema: “bom dia” – digo ou não digo?
Eu não estava preparado,
para logo cedo encontrar,
alguém com tamanha ambição.
“Bom dia”?
Não se distribui assim, sem cobrar.
Sorrisos também têm preço,
e tá difícil encontrar.
Prefiro poupar com o porteiro.
o chefe tem preferência.
Merece ser o primeiro.
É “bom dia” com valor agregado.
Obrigação do empregado:
se for pra ser educado,
melhor investir na gerência.
Mas ele (o porteiro), insiste e espera.
Digo ou não digo?
Tempo vale ouro.
Não posso mais aguardar.
Tortura existencial.
Logo se vai a manhã e o “bom-dia” perde lugar.
Vai querer dizer “boa tarde”,
pensando em me dobrar.
Melhor fingir de surdo, virar o rosto e calar.
De noite volto bem tarde,
para que não me veja passar.
Se “bom dia” lhe neguei:
Porque “boa noite” vou dar?