Lábios de boi
Esta história é verdadeira e foi contada por um colega de trabalho, um amigo que ganhei nos plantões de cada dia. Bom de prosa e de histórias e que acumula em um caderno a mais diversas histórias que, também presenciou ao longo de sua carreira na área da saúde.
Raimundo é um senhor respeitado no bairro onde mora. Dono de uma careca que era cercada por uma rala camada de cabelo nas laterais e de um bigode grisalho que impunha respeito aos que vinham. Vindo do interior (de uma cidade qualquer) veio ainda jovem para Belo Horizonte, onde trabalhou, se casou e constituiu família. Criou com muito rigor duas garotas, Ana e Gisele. Belas moças e muito educadas. Estudadas, nunca deram muito trabalho aos pais; o que deixava com Seu Raimundo (como era conhecido e como gostava de ser tratado) orgulhoso: "minhas filhas são moças direitas. Tudo estudada. Nunca repetiram o ano e até fizeram faculdade."
Mentor da família e dono das finanças, Seu Raimundo tinha um ritual quinzenal de ir ao frigorífico do seu bairro para comprar carne para sua família. Frequentador assíduo Seu Raimundo sempre comprava com o Valdyr que, segundo o próprio Raimundo, tratava a carne com carinho.
Seu Raimundo sempre comprava a mesma carne, fato que as vezes devia sair um franguinho ou algo diferente, mas quando se tratava de boi, ele sempre levava a carne que fora apresentado pelo próprio Valdyr: "lábios de boi", que era agradável ao paladar da sua família e mais barato que as demais boas carnes.
E este ritual se manteve por anos. Seu Raimundo sempre pedindo para o Valdyr:
- Valdyr, o de sempre.
- Opa, saindo um "lábios de boi" para o senhor.
Certo dia, ao adentrar o frigorífico de sempre, Seu Raimundo se deparou com um jovem, de aproximadamente 25 anos, franzino, traços finos, olhos grandes, castanhos, da mesma cor dos cabelos, que ficara escondidos debaixo do gorro, o que impossibilitava uma avaliação mais detalhada:
- Como é teu nome garoto?
- Joílson!
- Cadê o Valdyr?
- Valdyr se aposentou. Assumi o lugar dele há uma semana!
- Certo garoto. Então me veja um quilo e meio de "lábios de boi".
- "Lábios de boi"? Não conheço. Não tem isto aqui.
- Como não? A anos eu compro "lábios de boi" aqui com o Valdyr - disse já nervoso Seu Raimundo.
- Ora Senhor, eu não conheço. Vejamos, sabe me apontar aonde ele pegava esta carne.
- Pegava naquele meio ali - o Senhor do bigode grisalho apontou com o indicador para a direita da bancada.
Com um leve sorriso no rosto, Joílson concertou:
- Olha, isso não são lábios de boi e sim de vaca!
- Como?
Joílson completou:
- E o senhor ainda pode escolher: os grandes ou pequenos lábios?