O espírito da coisa
Luke, um estudante americano de Huston, Texas fazia intercâmbio e coube-lhe residir na casa de Renato, um brazuca pegajoso, da cidade de Santa Maria, RS.
Três meses se passaram e o gringo já tinha algumas noções de português, que sempre buscava melhorar inquirindo ao Renato. Nato, que ser greice?
- Ah, aquela gostosa da faculdade?
– No, apontou para a palavra graça, num jornal da cidade.
– Ah, graça?
– Yes. Coçou o queixo pensativo... puta merda...
- What?
– Nada, estou tentando explicar. Você é cristão, portanto, salvo pela graça de Deus. Aí, é favor imerecido. Se alguém lhe presenteia, dá de graça, então é sem custo. Outrem quer saber seu nome e pergunta: “Qual sua graça”, aí é nome; se você erra e alguém ri, acha graça; aí é bom humor; se alguém alcança excelência em algo, dizem estar em estado de graça. Perfeição. Quando algo se propaga, como uma peste, dizemos que grassa, aí com dois esses, mas, o mesmo som; muitas mulheres têm o nome Graça; um engraçadinho inoportuno é um sem graça...
- stop, stop, você me confundir, eu não entender nada.
– Culpa sua; quem mandou perguntar uma coisa complexa?
– Que ser coisa?
– Puta que o pariu, lá vamos nós de novo.
– what?
– Nada. Digo, coisa é uma palavra que explica tudo e não diz nada. – Como ser?
– Vou dar-te uns exemplos; ensinar-te isso é uma coisa difícil; se eu me irritar a coisa fica feia; te fazer assimilar não é coisa pouca; até aquele notebook é uma coisa; falar sem sentido é não dizer coisa com coisa; assunto da Marta é coisa dela; algo assustador é coisa espantosa; a intenção, o sentido de uma fala é o espírito da coisa; graça que você perguntou, pelos muitos sentidos é uma coisa ampla; há até que use a coisa como verbo quando insinua que dois estão “coisiando”; de uma história mal contada se diz que a coisa não é bem assim...
–Ok, Ok, eu desistir de saber o coisa...
Renato deu uma sonora gargalhada. Você aprenderá, Luke, mas, a coisa não vai ser de graça, ahahahah...