ENTREVISTA GA-GA-GUE-JA-JA-DA

Beroaldo, naquela manhã, saíra tenso e ansioso. Nem sequer despedira-se da esposa e dos filhos. A entrevista permanecera na sua cabeça a semana inteira. Seria a maior oportunidade da sua vida. Tinha que agarrá-la de qualquer jeito. Mas a ansiedade aumentava a cada instante. Apanhou o ônibus e dirigiu-se ao endereço anotado. Quando o elevador começou a subir ele se deu conta de algo muito importante para ele. Retirou o papel do bolso e leu: “5º andar, sala 504.” Aí a ânsia aumentou. Na sua superstição, somou mentalmente os numerais referentes à sala: “5+4=9, noves fora, nada.” Ele se arrepiou todinho. O elevador pára. Beroaldo sai. Mãos geladas, coração saindo pela boca. A sala estava ali à sua frente. Criou coragem, deu três pancadinhas, abriu a porta e entrou.

- É o senhor da entrevista das 8:00?

Ele balançou a cabeça concordando.

- Pode entrar. Doutor Santiago está à sua espera.

- Bom dia senhor...

- Be-be-be...

- Benevides?

- Nã-ão. Be-be- ro-ro-aldo.

- Senhor Beroaldo.

- Qual o motivo de sua presença?

- A en-en...

- A en-en o quê?

- En-en-tre-tre...

- Eu já entrei, o senhor já entrou... Responda: Qual o motivo que o traz aqui?

- A en-en-tre-tre-vista.

- Agora eu entendi. Será uma entrevista fácil. Mantenha-se calmo. Respire fundo, relaxe e vamos começar.

- Beroaldo, qual a sua idade?

- Eu te-te-te...

- Televisão, terremoto, teleférico?

- Eu te-te-nho trin-trin...

- Trincheira.

- Trin-trin-ta a-a-a-a...

- Aviões.

- Nã-ão. Trin-trin-ta a-a-a-nos de i-i-i-da-a-a-a-de.

- Muito bem. É casado?

- Fa-fa-fa...

- Fazenda, farmácia?

- Fa-fa-faz mui-mui-mui-mui-to tem-tem-po.

- O nome da sua consorte?

- Con-con-con...

- Com sorte não é com azar não. É o nome da sua esposa.

- Eu-eu-eu... Di-di-go já. Ma-ma-ria da-da-da Con-con...

- Com de convite, de consoante... De quê?

- ...Cei-cei...ção A-a-a-a-pa-pa-re-re...

- Ela é musicista? Qual o instrumento que ela toca?

- Nã-ão. ...Re-re-cida.

- Custou, hein?

- É o no-no-me-de-de-la que é gran-gran-de.

- Então o nome da sua esposa é Maria da Conceição Aparecida. Ok?

- É a-a-a-pa-pa-recida sem Ok.

- Tudo bem. Desculpe. Tem filhos?

- Só-só-só do-do-do-is. Ni-ni-no e Neeee-na.

- Dê uma referência comercial?

- Co-o-o-o-mo?

- Onde está trabalhando?

- Ê- ê-ê-ê-u?

- E quem pode ser?

- Ah! Na Ca-ca-as do-do Gaaaa-go.

- Qual a sua função?

- A-a-a-a-ten-ten-der quem é-é-é porta-porta, porta...

- Um momento, Beroaldo. você atende porta?

- ...Porta-dor de ga-ga-guei-gauei-ra.

- Sua função é atender os portadores de gagueira, é isso?

- Siiim. É is-is-so.

- Muito bem! A vaga é sua.

- A va-va-va-ga é mi-mi-mi-nha?

- Siiim, a va-va-va-ga é-é-é- su-su-a. Suuuuaa en-en-tre-tre-vista fo-fo-i per-fei-fei-ta. A-a-a-té-té eu fi-fi-quei ga-ga-go. Com-com-ece a tra-tra-tra-ba-ba-lhar a-a-ago-go-go-ra. Bo-bo-a sor-sor-te me-me-me-u fun-fun-cio-ná-ná-rio.

04/03/2012

ALMacêdo

Antonio Luiz Macêdo
Enviado por Antonio Luiz Macêdo em 04/02/2012
Reeditado em 07/03/2012
Código do texto: T3479809
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