A NOTA

Mac Lu era um cara irrequieto por natureza. Quando o víamos parado e quieto, e tínhamos certeza de que este fato realmente acontecia, sua cabeça funcionava a mil. Criativo, irreverente, versátil e brincalhão, vivia rebuscando nas coisas do cotidiano, motivos irrelevantes até, sem significado ou atrativo algum para, através da sua genialidade, reciclá-los, dando-lhes novas formas e visão mais aprofundada de suas realidades.

Isto o fez tornar-se conhecido instantaneamente. Cada texto seu era sucesso garantido. As conferências e palestras das quais participava, lotava auditórios, teatros e centros de convenções. Paulatinamente ganhava o topo da fama. Cada apresentação era uma verdadeira fábula.

Certa feita, um grande empresário do mundo das comunicações, convidou-o a realizar uma palestra, cujo público alvo seria os dirigentes das grandes empresas, e que teria como tema central: A NOTA. Mac Lu aceitou de bom grado o convite. Discutiu e acertou a quantia a ser depositada, recebeu o cartão indicativo do local, data e horário do evento, e já saiu dali com a cabeça em turbilhão.

Auditório superlotado. Conversas. De vez em quando, para quebrar o clima da espera, risadas aqui ou acolá, decorrentes de piadinhas contadas por quem não levava o mínimo jeito. Felicitações. Cumprimentos... Por fim, o anúncio: “Queremos pedir silêncio à distinta plateia porque acaba de adentrar a este local o maior conferencista de todos os tempos, o senhor Mac Lu”. Aplausos. Palmas. Todos de pé para reverenciá-lo. Em poucos segundos, novamente sentados e numa atmosfera de atenção fora da normalidade, Mac Lu iniciou sua palestra sobre A NOTA.

“Meus amigos, boa noite! É uma grande honra poder estar aqui. De início, sugiro que você tome nota dos tópicos que lhe chamarem mais atenção, pois quem anota, mesmo não lembrando com tanta nitidez do que foi dito, nota

que não esqueceu, porquanto sabe onde pesquisar.

A nota mais importante em termos financeiros é a nota de 100 reais, cujo nome verdadeiro é cédula. Quanto maior a quantidade destas notas alguém possui, mais rico é. Expressando-me em linguagem vulgar, diz-se que é cheio da nota ou cheio da grana.

Uma segunda nota utilizada pelos donos e donas de casa quando se dirigem ao supermercado é a nota relativa aos itens das compras. É lida, relida, revisada... E quando se nota que ela denota certos exageros supérfluos, refaz-se a nota. E se mesmo assim: carrinho pela metade, futilidades reduzidas e atenção redobrada no essencial, você esqueceu de trazer a primeira nota a fim de realizar o pagamento da segunda, você corre severamente o risco de ser notificado junto ao SPC ou tele-cheque.

A terceira nota mais utilizada é a nota promissória. Se você não anota o dia do vencimento e atrasa o pagamento, tenha a certeza que o juro e a correção tirarão de você uma boa nota.

A quarta nos dá uma conotação de algo indefinido. Nos meios políticos do nosso país recebeu o nome sugestivo de medida provisória, o que não deixa de ser uma nota provisória. É definida, mas não é uma nota definitiva. E haja nota para negociar este tipo de nota.

O quinto tipo é a nota musical. E no campo particular da música torna-se um pouco difícil chegar a uma conclusão satisfatória e unânime: a nota musical é um símbolo, ou o símbolo é a própria nota musical? Dizem os mais versados que o que vale é a nota.

A sexta nota é a famigerada nota de avaliação. De conotação torturante, denota, na essência para a qual foi criada, a limitação e a incapacidade do ser humano em lidar com a nota, embora continue usando a seu bel prazer os critérios e parâmetros de sua vontade, em plena liberdade e sem notificação.

Portanto, é de se notar que a nota tomou uma série de conotações durante o decorrer do tempo, denotando o quanto a nota é importante para nós.

Finalizando, Mac Lu olhou sorrateiramente para o empresário que o contratara e que encontrava-se na primeira fila, à sua frente, e esfregando manhosamente o polegar no indicador (gesto tão familiar), concluiu: ”E a minha nota? Anotou?!

Os aplausos sucederam-se longamente. Autógrafos. Entrevistas. Novos convites. Pouco a pouco a sala se foi esvaziando, as luzes apagando, as portas fechando... E tudo voltou ao normal. E Mac Lu, mais uma vez, naquela noite dormiu feliz.

ALMacêdo

Antonio Luiz Macêdo
Enviado por Antonio Luiz Macêdo em 26/01/2012
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