"BALIZANDO" A VIDA...
Não é novidade para nenhum paulistano, aqui da gema, que estacionar em São Paulo é como disputar uma maratona.
Mas difícil que andar de automóvel é o desporto de se parar o automóvel pelos concorridos espaços das ruas da cidade.
Ou é falta de vagas no meio fio, ou são vagas especiais para motoristas, motos e bicicletas, ou são estacionamentos que exploram o consumidor, ou são as zonas azuis com os cambistas, ou os flanelinhas e Vallets que alugam as ruas e nos deixam vermelhos de raiva..
Em Sampa as "terras" produtivas são de todos, menos da população.
Tudo bem, faz parte da evolução urbana.
Porém, ainda há os que acreditam que aos finais de semana a coisa melhora na cidade.
Bobagem, por aqui, nada melhora nunca.
Mas aqui não estou chorando não, estou é rindo...e muito.
Aconteceu comigo:
Num dia desses, de Domingo, madruguei para conseguir estacionar o carro tranquilamente num meio fio próximo dum endereço ao qual me dirigia.
Muito bem, quando lá cheguei, parecia milagre, mas saibam, quando milagre é muito realmente o santo desconfia.
Assim que cheguei no meu endereço, já um tanto atrasada, logo vi um automóvel estacionado entre dois conjuntos de motos estacionadas que sinalizava já estar saindo do local.
A vaga, portanto, me estaria garantida.
"Que bom , vai ser bem rapidinho", deduzi.
Embiquei o carro e fiquei esperando o automóvel sair.
Seria fácil fazer aquela baliza entre as motos já que o automóvel estacionado parecia ser bem maior que o meu.
E de fato era. Um automóvel bem antigo, talvez um fordão dos anos setenta, que já mostrava um certo cansaço.
Ao ser obrigado a funcionar seu velho motor, tossiu, tossiu....tossiu.
E morreu bem ali. Era necessário ressuscitá-lo e seu dono logo tratou de praticar a manobra "de volta ao mundo".
Decerto que esperei uns vinte minutos para perceber que o falecido voltava a acinzentar a atmosfera e a me reanimar do meu sufoco por aquela vaga. Enfim, retornou da sua morte lenta.
Saiu dali emperrado a queimar um combustível mal cheiroso e a sinalizar uma seta de meia luz.
Então, medi o espaço fui mais a frente para consegui provar ao mundo que aquele velho conceito de que, se mulher no volante é um perigo, tentando baliza entre motos é um perigo mortal.
Não tardou a ajuntar gente para me ajudar:"ô dona mais a frente, cuidado com as motos, dona, esterça tudo, desesterça, isso, mais um pouquinho, aí, ai vai bater, pára moça, ei vai aprender a estacionar quando, hein?!". QUE HUMILHAÇÃO!
Em pouco minutos ,claro, já tinha juntado uma imensa torcida, a turma do contra e a do a favor.
E eu ali, como se tivesse caído numa armadilha...ao meio fio da navalha. Eu juro, aquele espaço só podia ter encolhido!
Todavia, ao pensar em pedir ajuda, aprendi que ainda tem muita gente boa por aí.
Foi quando um motoqueiro que por ali passava me viu emperrada no espaço entre as motos, imobilizada, não teve dúvidas:
Provavelmente em defesa de todas as motos deste e de outros mundos, vítimas de todas as situações femininas, veio em minha direção e bravamente "guinchou" as motos ali estacionadas com as próprias mãos.
Não acreditava...O homem parecia um guindaste humano.
"Agora vai , dona, faz a baliza sossegada"
Mas ali, claro, já nem era mais baliza.
Nem acreditei que todo aquele espaço era meu.
Meio sem graça, ajeitei meu carro ao meio fio enquanto a torcida aos pucos se dissipava. Em seguida ele recolocou as motos no seu devido lugar como se nada houvesse ocorrido.
"Obrigada, moço", disse ao "motoqueiro-guincho".
"Não há de quê, dona" me respondeu ele todo orgulhoso e senhor da situação.
'Até logo", moço. Talvez ele tivesse deduzido em silêncio:"até nunca mais, ô dona!".
Dali seguimos para os nossos destinos, eu na certeza de que meu sufoco estava apenas começando...
Pela vida há 'balizas" que só dependem das nossas mãos.
Verídico.