UMA ANTA PELOS JARDINS DE MONET
O fato que irei narrar é incrivelmente verdadeiro o que talvez já lhe desconfigure totalmente o seu caráter humorístico.
Às vezes, quando atentamos para a realidade dos fatos engraçados percebemos que são tristemente ilustrativos do mundo REAL.
Eu o conheci há um bom tempo, exatamente no ano em que completava oitenta primaveras.
Um senhor de descedência nórdica, embora brasileiro, que laborou árdua e dedicadamente na sua profissão de professor de artes plásticas.
Aposentou-se como autônomo e hoje sobrevive com os parcos reais relativos à sua contribuição de muitos anos, aumentando seu curto orçamento doméstico com as telas que ainda pinta com primasia e muita dificuldade física.
Com o tempo, embora muitas vezes nos permaneça impecável a nossa alma artística, os limites do tempo impostos na matéria "corpo" não nos permitem expressar nossa plena sensibilidade, é o que tristemente percebo.
É quando o artista se sente enjaulado.
Sei que não seria crível se eu lhes contasse que ele pinta como Monet, porque afinal, neste mundo não basta que tenhamos apenas o talento para algum ofício, é mister que tenhamos, para que sejamos reconhecidos, algo mais, que alguns denominam de sorte...outros de "oportunidade certa na hora correta", embora por aqui eu acredite mesmo é na enorme força dos oportunismos...muito mais do que talento e formação para qualquer arte.
Certo é que quem não tem padrinho...aqui com certeza morre pagão, antes mesmo de nascer.
Sempre que nos encontramos conversamos sobre a vida, sobre o país, e lógico, sobre suas telas que me encantam, porque sua pintura impressionista impressiona os mais inflexíveis sentidos.
Recentemente ele me dizia que adquiriu uma alergia respiratória às tintas, que adicionada ao tabagismo cronico já não lhe permite pintar como dantes.Cansa ao menor esforço da tosse e suas mãos tremulam muito nas telas, o que lhe deixa preocupado e envergonhado.
Certa vez me presenteou com um jardim tão impressionista que todas as manhãs quando olho para a sua tela sobre a minha cama sinto o perfume de suas diminutas flores campestres.
Hoje nos reencontramos e lhe perguntei de sua arte, se estava vendendo os quadros que agora deixa sob consignação numa galeria de arte de São Paulo.
Com um sorriso desconsolado me perguntou:
"Minha amiga, você viu a reportagem da anta pintora?"
Foi através dele que descobri que a midia mostrou enaltecidamente uma talentosa Anta Artista que depois de buscar por uma tinta comestível limpa sua língua numa tela de pintura cujo resultado "artístico" é vendido por duzentos reais...reconhecidamente como obra de arte.
Notei perplexidade nos seus olhos que buscavam por alguma palavra minha.
O que lhe respondi foi que vivemos num mundo de antas, e isso não é culpa delas.
Apenas perdemos o sentido do verdadeiro valor dos valores verdadeiros.