Casório

CASAMENTO

Que angu de caroço

O casório daquele moço

Os convidados lotavam a igreja

E o padre, no boteco, cheio de cerveja

Tranquilo da vida, despreocupado

Esquecido do compromisso agendado

Nem sequer sabia que destruía

O sonho da vida daquela guria

A noiva não acreditou

Na peça que destino lhe pregou

Ela tinha noivo, padrinhos, até comadre

Só não tinha padre

Conclamados por uma tia

Foram todos para a sacristia

O padre não podia ter sumido de vista

Devia ter deixado uma pista

Logo se formou uma comissão

Para livrar os nubentes daquela situação

Ao vigário prometeram achar

Nem que tivessem que virar a cidade de pernas pro ar

A mãe da noiva, depois do quarto desmaio

Bradava com a filha que casamento tinha que ser no mês de maio

E não como quis a filha, a contragosto

Casar no mês de agosto.

Mês de cachorro doido, de azar

E os parentes de fora, o que vão pensar?

Se nem padre direito esta cidadezinha tem

Quem reza a missa para eles dizerem amém?

A noivinha, inconsolável

Sacudia o noivo, impassível

Toma uma atitude, seu quarta-feira

Arruma-me um padre, um bispo ou uma freira

Eu caso hoje de qualquer jeito

Dizia ela batendo no peito

Para titia eu não fico

Eu é que não pago esse mico

Se não for com você, gritava, caso com qualquer um

Como se fosse algo comum

Fazer escândalo na porta da igreja

Enquanto do outro lado da cidade o padre pedia outra cerveja

E uma pinguinha pra rebater

Já que não tinha nada para fazer

Mal sabia ele, coitado

O reboliço que tinha armado

Logo ele, um homem de fé

Respeitado por todos, idolatrado até

Por um lapso de memória

Havia mudado a sua história

Agora, na boca dos convidados, era um bosta

De um padre assim ninguém gosta

Pouco importava sua luta

Para os noivos ele era um filho da puta

A noiva xingava o vigário

A sogra desfiava o rosário

O pai, seu Valdomiro

Prometia para o padre, um tiro

Alguém se lembrou do sacristão

Alguma informação deveria ter aquele ratão

Que vivia grudado no padre

Parecia até uma madre

Cadê o padre, foram logo perguntando

Sei lá, disse ele, se esquivando

Ele sabe de alguma coisa, disse o sogro desconfiado

Abre logo essa boca e fala, seu desgraçado

Está bem, eu vou falar

O padre está há horas num bar

E com certa hesitação

Contou onde o padre costumava chapar o melão

Lá se foram todos em procissão

Buscar a tapas o padre beberrão

Mas só encontraram um corpo caído no chão

Coma alcoólico, diagnosticou um médico de plantão

A noiva desesperada, rasgou seu vestido, presente da madrinha

Tirou o sutiã e a calcinha

E saiu correndo pelada

Usando apenas a tiara, para alegria da molecada

Seu casamento marcou a vida da cidade

E todos se lembram dele, com maldade

E contam a história da noiva pirada

Que vaga pela cidade até hoje, pelada

O padre perdeu a batina

Foi linchado e hoje mora com uma cafetina

Entorna uma garrafa todo dia

E por castigo, sofre de azia

A noiva maluca é motivo de chacota

Seus peitos caídos, sua xoxota

Pois se naquele tempo era até ajeitada

Agora além de doida, está acabada

Ninguém mais a vê como mulher

Mas como um bicho qualquer

Sua nudez não é mais protesto

Já faz parte do cotidiano, como todo o resto

Mas na sua cabeça doente

Sonha ainda com um príncipe numa armadura reluzente

Pois se um beijo salvou a Bela Adormecida

Ela pode se curar se for comida

Quando a esperança parecia que acabava

Surge na cidade um maluco vindo de Caçapava

Um andarilho maltrapilho, sujo, um merda

Mas que se julgava o Thiago Lacerda

Ao ver na praça aquela mulher nua

Aproximou-se e ofereceu como presente a lua

Encantada e surpresa ela agradeceu ao céu

Finalmente chegara o dia de sua lua de mel

Amaram-se ali mesmo, no coreto

Como se estivessem no melhor motel de Ribeirão Preto

Seus gemidos ecoaram pela cidade

E excitaram até quem já tinha passado da idade

Quando já satisfeitos e extasiados

Separaram seus corpos suados

Notaram que de um canto

Um homem observava a tudo com espanto

O ex-padre chapado

Começou a pregar falando embolado

Sobre a luxúria, o prazer e outros pecados

E que só havia uma forma de serem perdoados

E mantendo-se de pé com dificuldade

Resolveu realizar ali mesmo a solenidade

E com a autoridade com a qual ainda se julgava investido

Casou aqueles dois malucos despidos

A noiva realizou seu sonho antigo

Encontrou mais que um marido, um amigo

Agora são dois os pelados na cidade

E não escondem nada de ninguém, nem seus corpos nem sua felicidade.

Magela Oliveira
Enviado por Magela Oliveira em 15/02/2011
Código do texto: T2794026
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