UM SANTO MARIDO

Nós nos encontramos numa destas reuniões de família porém não nos conhecíamos.

Vinha acompanhada da minha tia e a ela fui apresentada como uma querida amiga de muitos anos, e numa conversa informal me contava que por se sentir muito sozinha sempre é convidada a acompanhar a amiga nas festividades mais íntimas.

De fato, tenho observado que muitas pessoas da terceira idade muitas vezes contam mais com amigos do que com a própria família, inclusive para eventos mais intimistas como, por exemplo, ir a uma consulta médica.

Então, estávamos lá no melhor da festa quando, de repente, em meio a animada conversa que travávamos ela começou a chorar.

Chorava tão copiosamente que cheguei a pensar que eu lhe havia dito algo que não deveria.

" Não, não é nada com você filha, é que senti saudade do meu marido.Sabe, ele era tão bom, mas tão bom, eu o amei tanto, que esqueci de esquecer...nunca pensei em ter outro homem depois que ele se foi".

Bem, sempre que vejo alguém chorar por saudade dum falecido marido bem como dele contar só maravilhas, eu sempre argumento que tal pessoa deveria se sentir feliz, afinal, foi uma premiada na sorte grande.

Não, não me levem a mal, nada contra os nossos maridos, mas é que, convenhamos, tal sorte não é para qualquer uma...num mundo como o de hoje.

E também é certo que sempre que ouço muitos elogios aos falecidos maridos percebo que são maridos do mundo de ontem...

E foi assim, dentro deste minha observação bem pé no chão, que parti para o consolo da provável recém viúva inconsolável.

Achei tão bonita aquela manifestação tão sincera...de carinho.

E continuei com toda minha filosofia dos livros na tentativa de acalmá-la:"A senhora tenha um pouco de paciência, viu, que isto passa logo, temos um tempo cientificamente comprovado para sairmos do luto duma viuvez, depois a senhora lembrará dele com mais alegria..."

"Mas minha filha"-me disse ela- "faz trinta e um anos que choro do mesmo jeitinho pelo meu santo Abelardo, ai...que tristeza..."

Bem, sinceramente, depois de tanta fé e dedicação por um falecido marido perdi meu chão e confesso que por uns minutinhos até cheguei a invejá-la. Nunca tinha visto nada parecido!

Não me levem a mal, mas um marido digno de tantos anos e de tantas lágrimas veio por acidente a este mundo-ora se veio!- e com toda certeza redimiu a todos os demais...sejam eles de que mundo forem! E deste então...nem se fala!

Com certeza, neste mundo, nunca conheci um viúvo tão dedicado à sua falecida e se o conhecer, acreditem, volto correndo para contar.

Milagres únicos têm que ser revelados, ora essa! Não percamos nossa esperança...

Nota: verídico.