O FIM DO MUNDO !

 
                             Aconteceu...
 
 
        Um dia, quando tudo era belo e eu respirava o ar puro do mundo, resolvi dar o ar da minha graça com a presença do meu ser pelas ruas da cidade!
        Tranquei as janelas do meu apartamento, apaguei as luzes acesas; desliguei o ar condicionado e todos os etcéteras necessários para seguir com a paz necessária ao conforto da alma quando se deixa momentaneamente o lar.
        Fechei as portas com todo cuidado! Dei duas voltas na chave tetra de cima e duas voltas na chave tetra de debaixo (Em cada porta) e segui... Pisando firme e forte!... Rumo às portas da liberdade e da paz; sonhando deslizar, sem deslizes, nas passarelas asfálticas do mundo!... Parei antes de entrar no elevador e voltei para me certificar se realmente eu havia trancado as portas!... E constatei: Sim, tranquei! (Afinal sou daquelas que não deixam passar nada em branco!)... E regada aos proverbiozinhos da sabedoria popular, do tipo: Todo cuidado é pouco!... Uma mulher prevenida vale por duas!... O seguro morreu de velho!... Agora é vencer ou vencer!... Desta vez tem que dar certo!... Fora Collor!... etc, etc... Eu saí por aí afora em minha cotidiana e constante distração, despreocupada da vida, “Sem lenço, sem documento...” a esquecer que existe o fogo que assola e arde no mundo; que existe a chama do esquecimento, causando aquecimento nos mais gélidos corações...
        E segui, rumo ao passar das horas... Até que comecei a me inquietar pela necessidade metabólica de ingerir algum alimento comestível e aplacar a fome que já começara a despertar os roncos e os rancores do meu estômago faminto.
Ditou-me ao cérebro, a apelativa mensagem: “É hora de comer!”... Mensagem ignorada... E seguiram-se as incessantes mensagens apelativas do meu cérebro sempre em guarda, dizendo: “É hora de almoçar!”... E eu, nada... “É hora de engolir alguma coisa!”... E eu, nada... Quando de repente meu cérebro em súbito ataque de recuperação da memória, gritou, lá do fundo do meu inconsciente, o tenebroso apelo, em terrível mensagem: “VOCÊ ESQUECEU O FEIJÃO NO FOGO!”

        Num sobressalto, corri disparadamente, atropeladamente, superando heroicamente, todos os obstáculos que bloqueavam o meu caminho e minha luta contra o tempo: as ruas, os carros, os ônibus, os trauseuntes, cachorros frios; cachorros-quentes; papagaios, tudo !... Esbarrando-me em tudo quanto é “bicho de dois pés” que surgiam na minha frente e que me olhavam indagativamente, espantadamente, espantosamente... como se fosse enigmático e incompreensível, minha corrida louca em prol de salvar ao menos um único caroço de feijão cozido sob os escombros e cinzas de um edifício no centro da cidade...
        E eu só pensava: O meu lar!... O meu lar!...
        A essa altura o meu mundo já estaria em ruínas... em brasas... em chamas... em assustadoras e gigantescas labaredas e por fim em cinzas e nada mais!
        Esse era o percurso da minha imaginação, enquanto eu rumava meus trôpegos passos em corrida acelerada contra o tempo, em prol da recuperação do que poderia ter restado de lembranças daquele fatídico incêndio!
        Enquanto isso, eu tentava me consolar psicologicamente com uma cantigazinha de bolero:
”O meu mundo caiu... E me fez ficar assim... "
        Até que cheguei ao prédio, onde aparentemente não havia acontecido nada! ...De imediato, vi a síndica parada, estarrecida no portão à minha espera (E há quem diga que ela é meio tan-tan). Quando me avistou, disparou doidamente a relatar o que havia ocorrido:
        - Sirley, você não sabe o que aconteceu! Você quase nos matou do coração!
        - Mas o que foi? Perguntei curiosa.
        E ofegante, ela passou a relatar o incidente:
        - O carro da ROTAM que passava na rua, avistou uma intensa fumaceira que saia pelas janelas do seu apartamento... (Será que eu me esqueci de fechar as janelas? – Pensei.) Então avisaram aos vizinhos, que avisaram aos moradores, que avisaram aos guardas vigilantes e que por fim me avisaram! Então eu avisei ao Corpo de Bombeiros que o prédio estava pegando fogo!
A equipe foi rápida e habilidosa: Tentaram destrancar as portas (Não conseguiram!)... Tentaram arrombar as portas (Não conseguiram!)... E por fim foram chamar um chaveiro para resolver o problema... Enfim, o chaveiro resolveu: E a chutes e ponta-pés, as portas foram arrombadas pelo chaveiro... Os bombeiros adentram na procura do que estava causando tal fumaceira!... Suspeitaram que provavelmente a fumaça era proveniente da cozinha, mais precisamente, do fogão onde eu havia esquecido o feijão na panela, ou melhor, o piche do feijão que se formou na panela!
O gás de cozinha já havia acabado há um bom tempo! Desligaram a chama do fogão!... Não havia nada mais que se pudesse fazer... Infelizmente, o feijão já estava queimado!...

Daí em diante, as providências de praxe: Abrir um pouco as janelas, preencher formulários, etc... E salvar um dos bombeiros que estava prestes a desmaiar com o cheiro da negra nuvem de fumaça que se formara no meu pequeno mundo! (E logo eu, que não deixo passar nada em branco!...)
        Enfim, tudo, aos poucos, voltou à paz no meu mundo, daquele início quando tudo era belo!
 
        Só dei um suspiro e pensei: É o fim do mundo! 
        
        Coloquei outro feijão na panela para cozinhar e adormeci docemente, engasgando-me de vez em quando com o cheiro da fumaça que ainda pairava no ar... Embalada com o som do ronco do meu estômago!... Para só despertar no dia seguinte!
 
 
                      F I M
 
                           (Do mundo!)