AS MENTIRAS DE “SEU MANINHO”: O PRIMEIRO ENCONTRO
 
 
Há alguns anos atrás a empresa que eu trabalho foi contratada para fornecer concreto para a construção de uma barragem no interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Jaguari, que é uma cidade pequena (+-10.000 habitantes) e fica distante 400Km de Porto Alegre.
 
Fui designado para coordenar a instalação da unidade e o gerenciamento da operação e com uma equipe de três colegas iniciamos a implantação. Apesar de estar acostumado a andar por vários cantos profissionalmente, quando cheguei a cidade tive a impressão de entrar em um túnel do tempo e estar visitando o passado.
 
As pessoas da cidade eram extraordinariamente gentis e hospitaleiras, mas as dificuldades eram muitas. O único “hotel” da cidade me fez lembrar as antigas histórias de caixeiros viajantes. Depois das primeiras providências nos deslocamos para o “melhor restaurante da região” para jantar e negociar o fornecimento de refeição para os funcionários da obra.
 
Quando chegamos, vimos em letras garrafais: “RESTAURANTE DO SEU MANINHO”, que diga-se de passagem tinha uma comida realmente excelente.
 
Logo que entramos porta a dentro, me senti como naqueles personagens de filmes de western quando um renomado pistoleiro parava na porta e o “saloon” inteiro ficava em silêncio olhando (quem já foi “forasteiro” em cidade pequena sabe a que me refiro).
 
Depois de nos olharmos meio sem jeito por algum tempo, sentamos em uma mesa, quando um senhor de uns 60 anos, praticamente careca e com cabelos rareando logo acima das orelhas, baixinho e com uma barriga protuberante que já tinha conseguido vencer alguns botões da esticada camisa de manga curta azul, chegou sorridente até nossa mesa e nos deu as boas vindas.
 
- Boa noite, tudo tranqüilo pessoal? – falou ele com um largo sorriso no rosto.
- Tudo tranqüilo.
- Me chamo Seu Maninho e sou o proprietário, o que gostariam de comer?
 
Depois de uma breve conversa, pedimos alguns filés e sem nos fazermos de rogados nos atracamos naquela ótima comida caseira.
 
Enquanto comíamos, notei que Seu Maninho com um ar de curioso e com “as orelhas em pé” rondava em torno da mesa... limpava uma mesa aqui.. ajeitava uma cadeira ali.. mas sempre por perto nos “espreitando”..
 
Quando terminamos a refeição, chamei Seu Maninho para conversarmos e após fecharmos os fornecimentos de refeições para a obra, ficamos jogando conversa fora.
 
Em determinado momento, me chamou a atenção a foto de dois cachorros perdigueiros na parede, ao que perguntei:
 
- Bonitos cachorros, Seu Maninho... São seus?
- Sim, já cacei muito com eles, mas um já morreu.
 
E Seu Maninho começou a contar várias histórias dos seus “fantásticos perdigueiros”, só posso chamá-los assim, visto a quantidade de façanhas que tinham feito segundo Seu Maninho.
 
Em determinado momento da conversa, tendo em vista meu espírito aventureiro e já pensando nas horas de ócio que eu iria ter pela frente, perguntei a Seu Maninho se havia algum lugar para pescar na região, ao que ele prontamente me informou e inclusive se dispôs a me emprestar todo equipamento necessário, pois como não poderia deixar de ser, alegava ser um grande pescador.
 
Quando eu já estava me despedindo Seu Maninho em tom solene falou:
 
- Somente uma coisa Seu Cesar, como o senhor pretende pescar e é novo por estas bandas, me sinto na obrigação de lhe fazer um alerta para sua própria segurança.
 
- Claro Seu Maninho, inclusive lhe serei muito grato. – respondi eu, já com minha mente remetendo para pensamentos sinistros ao imaginar me afogando ao cair em algum buraco do “traiçoeiro” rio.
 
- Nunca entre na água, pois aqui temos alguns peixes perigosos.
 
- Como assim Seu Maninho? Achei que por aqui o peixe mais comum era o lambari... – falei eu, ao mesmo tempo que meu lado fantasioso da mente insistia em discutir com o lado racional se haveria possibilidade de existir piranhas no Sul do Brasil.
 
- Não vá me dizer que este rio tem piranha... – disse eu, agora realmente preocupado e com um sorrisinho nervoso nos lábios.
 
- Pior que isso Seu Cesar, acredito que por aqui existem alguns dourados carnívoros, o que os torna bem mais perigosos que piranhas, considerando-se o tamanho do bicho...
 
- Me desculpe Seu Maninho, mas é muito difícil acreditar.
 
- Pois acredite, eu já sofri isso na pele... – disse ele cabisbaixo e com tristeza no olhar.
 
- Como assim Seu Maninho? O senhor já foi atacado?
 
Após alguns segundos cabisbaixo e com ar de tristeza respondeu:
 
- Eu não... MAS FOI ASSIM QUE VI MEU ESTIMADO PERDIGUEIRO MORRER!!!   

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