Futebol no Cedro

O time de futebol de Várzea Alegre se preparava para viajar até o vizinho município do Cedro, onde, ainda no final da tarde daquele mesmo dia, as duas seleções protagonizariam um esperado embate. A rivalidade entre os dois pequenos municípios cearenses não se limitava ao esporte, tudo motivava discussão entre os moradores das duas cidades. Os cedrenses se gabavam por ter suas terras cortadas pela estrada de ferro, responsável por impulsionar seu desenvolvimento. Do outro lado, os varzealegrenses respondiam dizendo que pouco adiantava a linha do trem se no Cedro não havia sequer água.

Na efervescência de toda essa rivalidade, os atletas da terra do arroz subiam no velho caminhão que os transportaria até o campo de chão batido da vizinha cidade. Muitos assistiam à saída da equipe de atletas, outros tentavam subir no caminhão para acompanhar o jogo na terra vizinha. Não havia espaço suficiente na carroceria para acomodar a equipe de futebol, a comissão técnica, os dirigentes e os inúmeros torcedores que desejavam ver o clássico regional.

No meio daquela confusão, um conhecido e assumido homossexual de Várzea Alegre, com seus trejeitos afeminados, tentou subir no caminhão. A reação foi imediata. Vários jogadores e torcedores recusaram a presença do diferenciado torcedor. Uns mais afoitos e sem as idéias atuais do politicamente correto empurraram o pobre rapaz e gritaram:

- Baitola não sobe nesse caminhão.

O torcedor pederasta, aborrecido com a inesperada recusa, entristecido com a ação preconceituosa ainda maior naquela época, olhou seriamente para os jogadores, comissão técnica e torcedores, e gritou:

- Eu não vou nesse caminhão, mas aí em cima vão mais dois outros viados.

Fez-se silêncio tumular entre os presentes. Ninguém, nem mesmo os mais esquentados dos jogadores esboçou qualquer reação. Nenhum outro torcedor quis acompanhar o grupo. Outros não desceram do caminhão temendo que a atitude levantasse suspeita sobre a sua opção sexual. Assim, o veículo deu partida e seguiu na antiga estrada em direção ao vizinho município. No percurso de várias léguas não houve as conversas de costume, como os importantes debates sobre as estratégias para o confronto. Os passageiros se olhavam discretamente procurando pistas dos dois outros referidos pelo homossexual excluído do grupo.

Chegando ao Cedro, a equipe de futebol varzealegrense não repetiu os bons desempenhos dos enfretamentos anteriores. De igual forma, os torcedores e os dirigentes que acompanharam o time não conseguiram elevar o ânimo dos atletas. Logo o escrete vizinho tomou conta da partida e venceu facilmente o clássico. No término do jogo ninguém falou sobre a derrota, não houve qualquer menção aos motivos do fracasso daquela tarde. Afinal, todos reconheceram a impossibilidade de se concentrar na partida. Nos pensamentos dos passageiros do caminhão só havia espaço para descobrir quem seriam os dois outros homossexuais que naquele dia foram disputar ou assistir ao jogo de futebol no Cedro.