CONFLITO DE GERAÇÕES


Uma jovem recém-chegada de uma viagem que fez a uma cidade grande tentava demonstrar para os seus conterrâneos, sobretudo para aqueles supostamente menos vividos que ela, que tinha aprendido muitas coisas, principalmente uma maneira diferente de falar.

Num primeiro momento ela passava a impressão de ter convivido entre gringos e com eles adquirido um pouco do seu sotaque: falava com a língua enrolada e o timbre da sua voz era meio nasalado.

Além da sua forma diferente de falar que deixou seu povo meio atabalhoado, a sua indumentária era de causar espanto àquela pessoa mais excêntrica, tamanha era a sua extravagância. Percebia-se, portanto, que sua forma de vestir-se se assemelhava à do visual de um seguidor radical do rock-and-roll, seguida de alguns detalhes da vestimenta de uma dançarina de origem galega.

Todos notaram o seu modo de falar que era realmente meio truncado e com uma boa pitada de gírias e, na maioria das vezes, ela gostava de proferir palavras e/ou frases não muito corriqueiras no repertório usual de sua gente.

Numa dessas suas participações como interlocutora de uma conversa informal entre amigos e membros de sua família, alguém teria dito alguma palavra ou frase que ela não gostou, tendo reagido de forma estranha, expondo de forma clara a importância do seu atual linguajar:

- Corta essa meu. Não vem que não tem. Aqui o buraco é mais embaixo – esbravejou.

A perplexidade da platéia ali presente ante à dificuldade de comunicação com aquela jovem recém-chegada teria sido geral e não fosse a presença de uma de suas tias, carregando uma laranja descascada numa das mãos e uma faca de mesa na outra, o clima de animosidade teria sido bem maior.

Todos voltaram sua atenção para aquela cena e a tia da jovem tentando apaziguar os ânimos, disse:

- Calma, minha sobrinha! Eu vim aqui numa missão de paz. A laranja que trouxe é pra você e já está cortada. Ela não tem buraco em lugar nenhum, nem em cima e nem embaixo - comentou.

O seu aparte naquela hora caiu como uma luva. As pessoas deram algumas gargalhadas ensejando, assim, o reinício de outro bate-papo um pouco menos agitado.

Quando tudo parecia ter-se acalmado a jovem se insurge com mais um de seus rompantes:

- Eu vejo que aqui ninguém manja nada do babado e mesmo assim fica buzinando nos meus ouvidos. Estão querendo tirar uma com a minha cara? – retrucou.

O avô dela que estava sentado numa rede, pitando um cigarro de palha recheado de fumo de corda, entendeu que era chegada a hora de participar da conversa dos jovens e de uma forma engraçada fez o seu comentário:

- Essa menina mudou muito mesmo. Além do seu jeito de falar muito parecido com o de alguém que está tentando dizer alguma coisa e não sabe direito o que é ela vê coisas que eu não consigo ver. Ademais, a roupa dela não tem babado, bem como não há nenhum barulho de buzina por aqui e ela continua dizendo coisas...

E aquela jovem após ter ouvido o comentário jocoso feito por seu avô, gingou o corpo pra lá e pra cá tal qual um capoeirista atuando numa exibição social, saiu um pouco da roda de amigos e em seguida apelou:

- Eu não vou dar nenhuma resposta porque não costumo me indispor com velho. Na verdade, eu nunca gostei de velho.

Após ouvir aquele comentário que tinha endereço certo, o avô dela deu um breve sorriso com o cigarro preso entre os dentes e respondeu na bucha:

- Minha neta, a pessoa que tem medo de envelhecer correrá o risco de viver parte ou toda a sua vida entre a ansiedade e a frustração. Tanto a juventude quanto a velhice um dia irão passar normalmente e quem não morrer cedo de velho não escapará. Pense nisso! - contemporizou.

Ela olhou para os quatro cantos do ambiente, parou de conversar e se pôs a pensar por alguns minutos, tendo dito em seguida:

- Galera, eu acho que já está na hora de eu sair de fininho porque acabei de descobrir que este mar não está pra peixe...

E todos os jovens ali presentes, inclusive os da terceira idade, responderam de uma só vez:

- Você continua vendo coisas que nós não conseguimos ver. Aqui onde estamos não há mar, muito menos peixe... – gargalharam.