AS CORES MISTURADAS

 

O agricultor Jô Formigon tem andado meio chateado com algumas pessoas de sua comunidade e, de cabeça quente, as tem acusado de preconceituosas.

Em se considerando que o vocábulo preconceito é o conceito ou opinião formada antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos e que também poderá ser o julgamento ou opinião formada sem levar em conta o fato que os conteste, Jô Formigon está chateado à toa.

Numa outra situação, se for levado tudo ao pé da letra e entender-se o preconceito como uma ideia preconcebida, uma suspeita, uma intolerância, um ódio irracional ou uma aversão a outras raças, credos, religiões, etc., Jô Formigon poderá até ter os seus motivos, mas não é disso que ele anda se queixando.

Na verdade, o que tem lhe chateado bastante ultimamente é o fato de algumas pessoas de seu convívio mais estreito terem descoberto o seu apelido de infância que é “Nego Preto” e, sem mais nem menos, essas pessoas passaram a tratá-lo por esse nome, ainda que de forma carinhosa.

Ele jura por todos os santos conhecidos que não é uma pessoa preconceituosa e que apesar de ter a pele escura, um tanto quanto acentuada, porém entremeada com umas partes brancas, ele diz que poderia ser tratado de outro jeito e sugere:

- Se pelo menos essas pessoas estivessem me chamando de “Marrom Bombom” ou de “Chocolate Amarronzado”, eu não faria tanta questão, mas me chamar de “Nego Preto”, de novo, é o fim da picada – comentou.

Apesar de haver preconceitos de todos os tipos, bem como pessoas dispostas a fazer uso deles, o racial, evidentemente, é considerado o mais indigno do ser humano.

Um dos irmãos do Jô Formigon, por sua vez, ao tomar conhecimento dessa indignação do seu irmão caçula, disse que está havendo um tremendo exagero em tudo isso.

Segundo ele, assim como acontece em qualquer outro lugar, lá na comunidade Cafundós do Judas, onde também mora desde que nasceu, uma ou algumas pessoas tendem a ser preconceituosas de alguma maneira, mesmo percebendo que seu irmão Jô tem a pele escura entremeada com umas partes brancas e tenta acalmá-lo:

- Fique tranquilo, meu irmão. As expressões “Nego Preto” e/ou simplesmente “Nego”, mesmo que a pessoa seja de cor branca, são formas carinhosas de tratamento e nada tem a ver com o preconceito racial que acaba se tornando uma atitude mesquinha e bastante perversa no que tange ao modo de pensar do ser humano. A pessoa que assim o procede geralmente acredita que é “superior” ao seu semelhante sob todos os aspectos...

Pensando cá, com os meus botões:

- Será que o Jô Formigon não foi acometido de vitiligo que é uma doença não-contagiosa em que ocorre a perda da pigmentação natural da pele e que essa afecção cutânea causa a perda da pigmentação em áreas que podem ter bordas escurecidas e elas tenderão a aumentar de tamanho?

Sossega, homem! Seja lá o que for: “Nego Preto” e/ou simplesmente “Nego”, isso não irá alterar a cor da “pele” da sua alma, pois ela sempre terá a mistura de todas as cores.