A lua
Tiravam sarro um com a cara do outro todos os dias. O mesmo ritual de sempre ao se encontrarem: aquele comprimento com as mãos que só eles sabiam como começar e como terminar; a mesma conversa sobre futebol, as mesmas reclamações sobre o time de coração, as mesmas mentiras sobre a última transa (eram virgens aos 17 anos). Aquilo se repetia desde que um deles se mudara para a rua onde o outro mora, há cerca de dois meses. Sentavam ali no chão, logo na esquina onde podiam ver os carros passando. Conversavam sobre toda e qualquer coisa que lhes interessavam. Dedicavam quase todas as noites somente a isso. Mais tarde eram as mesmas piadas, a mesma falta de assunto para conversar, o mesmo céu, as mesmas estrelas, a mesma lua...
- Thiago!
- Que foi?
- Aquilo ali na lua, é mancha é?
- Como é?
- Aquilo ali.
- E o que é que tem?
- Na lua.
- Sim, eu já entendi que é na lua.
- Então, aquilo ali é mancha?
- Paulo, mas tu é burro.
- Qual é Thiago! Tá vacilando?
- Mermão deixa de ser burro.
- Doido, como é que eu sou burro se nem tu sabe o que é aquilo.
- Tu num ta vendo que aquilo é buraco, ô animal.
- Hei Thiago, calma! Eu não tô dizendo coisa contigo e tu tá só me esculhambando.
- Tá bom, mas todo mundo sabe que aquilo é buraco.
- Eu não sabia.
- Pois é, o nome disso é cratrera.
- Como?
- Cratrera, ou é cratera. Acho que é cratrera mesmo. Deixa eu te explicar, a lua é cheia dessas coisas. É parecida com aqueles queijos de desenho animado onde o ratinho se esconde do gato. Entendeu?
- Poxa eu podia jurar que aquilo tudo é mancha, acredita?
- Acredito.
- Eu só não entendi uma coisa.
- Ai meu Deus! O que foi Paulo?
- Se a lua é cheia de buraco, como tu disse, porque não enche d’água quando chove lá?
- Putz! Isso eu não sei responder.