Receita para solidão ( conto)
NOta: Me perdoem os puristas, mas não sou tão sério assim. rsss
A noite vai alta e a madrugada, exceto pela luz da rua e de uma ou outra residência, engole todas as formas com a sua boca negra. A madrugada parece exacerbar de maneira lúdica todos os sons, cores e cheiros. Gosto da madrugada. Mas, estar sozinho, noite após noite, tendo por companhia apenas o silêncio e a imagem da televisão, que deixo sem volume. Ver as imagens mudas dos apresentadores de programas ou dos artistas dos filmes matraqueando seus scripts é quase uma vingança. É como se eles, também, de algum modo, estivessem sozinhos. Levanto e vou até a cozinha, abro a porta da geladeira com estardalhaço e procuro algo para mastigar. Vou até o quarto, pisando forte; como não moro em apartamento não tem o risco de eu incomodar o vizinho de baixo - o que me faz sentir mais sozinho ainda -. Troco o CD, aumento o volume e vou ao banheiro dar descarga. Barulho, preciso de barulho, menos o da televisão. Antes só, do que ouvindo bobagens - bobagens já me bastam as do meu próprio pensamento -. Não consigo acreditar em quem diz que se sente bem com a solidão. Eu não consigo. A solidão é um saco Me sinto como as moléculas de um elemento qualquer de laboratório, sendo estimulado a se bater contra as paredes de um recipiente - no meu caso, as paredes da casa - para se obter um resultado nem sempre satisfatório. Solidão, solidão, solidão, que companhia mais besta, não diz nada, só cutuca, irrita e enlouquece. Fico procurando alguma coisa boa nela para justificar sua existência, mas não encontro. Papo besta esse; quem se interessa? A solidão é mais venenosa que conversa de sogras em fila de açougue. Volto à cozinha e, de lá, com um cacho de uvas na mão. Uva não está prescrita em nenhum tipo de dieta, só serve pra engordar, mas é bem melhor que chá de boldo com carqueja; solidão já amarga o suficiente, não precisa adjutório. Cacete!!!! E se eu ficar obeso? E se não conseguir mais atravessar a porta? Merda de solidão. Depois de vários cachos de uvas descubro que ela provoca flatulência; pelo menos em mim, provoca. E a barriga ronca feio, digo, bonito. Converso com ela e ela responde. EUREKAAAAAAAAAAAAA!!!!!. Finalmente descobri que a solidão não é tão ruim assim, descobri algo de bom nela. Uma coisinha só, mas, reconfortante. Pego o telefone e disco um número qualquer. A voz do outro lado é de um homem educado, talvez também um solitário. Pergunto de chofre: “Amigo. Você sabe o que é o bom da solidão?”. E respondo incontinente: O bom da solidão é poder peidar pela casa . IMPUNEMENTE.