CONVERSA DE IDOSO
Chapelão de palha na cabeça e expressão cansada de velhice, Teobaldo, orgulhoso, falava em silêncio consigo mesmo, enquanto de pé observava atento o tráfego de ônibus, não querendo mofar no ponto, por conta de um descuido qualquer: “oitenta anos... é chão pra daná!” Uma coceira crônica na garganta, nesse momento mais insuportável que em outros, o faz encher os pulmões para tossir. Foi quando a mão pesada do Francisco estalou nas costas do nosso velho. A tosse saiu aguda como um grito de criança. “Teria sido pior”, pensaria mais tarde, “se a dentadura tivesse caído. Já imaginou que vexame!”
Francisco, que não era preto nem branco, regulava idade com “– Sô Baldinho” (assim o chamava Francisco). A calça, social e desbotada, tinha-a quase debaixo das axilas. Era mantida assim por uma cinta bem apertada. Chiquito (apelido que ganhara na infância) pertencia ao grupo daquelas pessoas que gostam de falar alto, quando em público, e, enquanto conversam, ficam sapateando, dando voltas ao redor do interlocutor como se fossem um galo.
Com um riso sarcástico, apertou a mão do seu colega:
– E aí meu velho?! Eu tive um cachorro que morreu com essa tosse, hem!
– Tá me achando com cara de cachorro, maracujá de gaveta?!
Riram novamente os dois. Teobaldo cutucou a farta barriga do colega, que quase pisou o pé de uma senhora mal-encarada que estava ao lado. Pediu desculpa sem graça. Voltou-se para o Baldinho. Olhou ao redor por alguns segundos... e perguntou, como se já soubesse a resposta:
– E o Sebastião, ainda é vivo?
– Ué, não ficou sabendo? Morreu há três anos. Segundo a minha cunhada... tadinha dela: não se conforma com a viuvez..., quando o dia amanheceu, ele, que sempre acordava cedo, nesse dia continuou deitado. Mariquinha foi ver: estava morto!
– Mas não foi o Afonso que morreu dessa forma?
– Você está confundindo as bolas. Afonso está por um fio. Um pé e meio já está na cova, mas está vivo ainda. Maldito! Me pediu dez reais uma vez. Disse que estava trocando a janta pelo almoço. Fiquei com pena, e sabe como é?! Até hoje nada. Aquele tem que sofrer mesmo.
Apertando um pouco mais a cinta, Francisco lamentou em voz baixa:
– Brincávamos tanto quando criança... Nunca imaginei que fosse se transformar em um mau caráter. Mas também, Baldinho, o que é dez reais para você amaldiçoar o velho?
– Ah, esqueça! Me diga uma coisa: e aquela cambada de irmãos que você possui, ainda tem mais dois vivos, não tem?
– Sinto te informar, meu nobre, mas só este velho está de pé ainda. Sou osso duro de roer. De vez em quando a pressão sobe, sinto umas pontadas aqui, outras ali. Há cinco dias fui parar no hospital: colesterol alto. Olha só o resultado. – Meteu a mão no bolso e tirou uma cartela com dez comprimidos. – Já vi a morte cara a cara e ainda estou de pé para contar história.
Nessa altura do diálogo, um ônibus amarelado de poeira com destino a um bairro chamado Fernandó parou ao sinal de um grupinho de pessoas cujo sotaque as denunciava como gringas. Teobaldo, após despedir-se de seu amigo, entrou nesse ônibus. Talvez tenham se encontrado outras vezes e conversado sobre o mesmo assunto..., se o destino não interveio mudando o curso da história.
A minha colega e eu achamos interessante esse diálogo. Rimos um pouco, mas achamos interessante. Jovens que somos, não estamos acostumados a olhar ao nosso redor e ver a maioria das pessoas que cresceram conosco, no outro lado da vida. Não deve ser confortante olhar à volta e constatar que os nossos já se foram. Um pouco de humor e jogo de cintura talvez nos capacitem para melhor vencermos os desafios da vida.