Um Grande Ajudante
Certa viagem em que eu era o maquinista, chegou na locomotiva, já engatada no trem cargueiro destinado a Uberlândia, um monitor que vinha acompanhado de três ajudantes de maquinistas.
Ele me disse: “Nós vamos até Aguai, para os rapazes já irem se adaptando com o serviço”.
Dentre os três ajudantes, notei que um chamava mais a atenção. Tinha dois metros e dez de altura. Era forte como um touro. Usava óculos grossos e tinha uma barba muito preta.
Enquanto os novatos foram acompanhar o meu ajudante na conferência do trem: verificar as ferragens, mangueiras de freio, os lacres dos vagões e os documentos do trem, tudo feito pelo ajudante, visto que os trens não mais levavam o guarda trem ou os guarda-freios, como quiserem, nos trens de cargas.
O monitor, o Sr. Andrade, ficou comigo na locomotiva enquanto os ajudantes faziam a revisão do trem. Em dado momento ele me disse: “Esses três rapazes já estão prontos para serem escalados. Mas eu me preocupo com o Raul, o moço alto, porque, às vezes, ele parece um pouco desligado com o serviço, e o ajudante tem muito o que fazer na partida do trem”.
E era verdade, geralmente as viagens eram feitas com 2 ou 3 locomotivas acopladas, e 50 ou 60 vagões. Verificar lacres, freios e ferragens, partes dos vagões para ver se estão bem fechadas, é um bocado de serviço, além da documentação do trem. Concordei com o monitor por que a responsabilidade era grande.
Como não julgo nenhum ser humano pela aparência, pedi ao Sr. Andrade que deixasse o Raul ainda em treinamento até eu voltar, e o escalasse comigo para trabalhar na linha. E assim foi feito.
Na nossa primeira viagem juntos, ao engatarmos a composição de 40 vagões eu disse a ele: “Raul, você vai de um lado do trem e eu vou pelo outro”. E ele disse que já sabia o que devia examinar.
Assim fizemos e chegamos juntos à cauda do trem. E para provar que ele estava atento, ele me disse: “Sr. Laércio, no vagão tal falta uma sapata, do meu lado”. Depois de cumprimentá-lo pela sua observação fui buscar o truqueiro que não tinha feito o serviço em ordem.
Assim, fiz ver ao sr. Raul que eu não tinha acompanhado a revisão do trem por falta de confiança nele, e que isto eu fazia com todos os ajudantes, pois para quaisquer anormalidades como aquela eu é que tinha autoridade para mandar providenciar os reparos.
Trabalhamos juntos por alguns meses e como eu também era escalado nos trens de passageiros, o Raul foi trabalhar com outros maquinistas.
E por tê-lo tratado, no começo de sua carreira, como um ser humano, sempre confiando no seu desempenho, e orientando-o sem nenhuma superioridade ele, carinhosamente, me chamava de padrinho.
O Raul, às vezes, vinha trabalhar vestido como um lenhador do Canadá: camisa grossa de um xadrez muito colorido, uma bota que chegava até o joelho e um boné típico de regiões geladas, e com aquela barba, parecia um autêntico habitante das florestas geladas canadenses.
Ele tinha que ser grande de corpo senão aquele coração bondoso não caberia dentro dele.
Foi uma convivência muito boa pois ele, debaixo daquela fachada, era muito culto e inteligente, o que vinha de berço pois os seus pais eram professores de faculdade.
Enquanto eu viver vou me lembrar sempre do carinho, do respeito e da bondade com que ele me tratava.