UMA LENDA VIVA NO VALE DO PICÃO

UMA LENDA VIVA DO VALE DO PICÃO

 

Na vida, tudo passa nada é eterno, apenas sua essência permanece viva e imortal, perpetuando o expoente da existência humana. E com o decorrer do tempo, vão acontecendo incríveis mudanças nos hábitos, nas ações, conceitos e comportamento sociais, criados pelo ser humano, deixando para a posteridade suas marcas culturais na história.

O que diriam do mundo atual, nossos antepassados, se por um milagre eles ressurgissem por alguns momentos? Imagine caro leitor, a expectativa desses nossos ascendentes pioneiros, moradores de nossa comunidade daquelas remotas épocas.

Pessoas simples que motivados pela fé cristã, construíram uma pequena capela no povoado, para a comunidade orante, no ano de 1935. Local em que alguns anos mais tarde reunidos em sua totalidade promoveram um importante acontecimento de cunho religioso: “o lançamento da pedra fundamental de nossa igreja atual,” celebrado pelo vigário paroquial de Bom Despacho, padre Augusto, cujo nome atualmente está eternizado em sua memória na praça principal defronte a ela.

Naquele momento histórico, todos os presentes ao lançamento daquela semente de esperança, assinaram numa folha de papel, comprovando sua presença, a qual foi colocada junto a essa primeira pedra no cerimonial, marcando a história de nossa terra. Pena não ter redigido uma ata como o fizeram por ocasião da primeira casa de escola.

Mas, de qualquer forma, podemos num gesto de gratidão a esses mecenas pioneiros, cultuar suas memórias através da imagem imponente de nossa bela igreja, ilustrando a paisagem desta fértil terra vermelha do Bom Jardim do Picão, o atual e querido Engenho do Ribeiro, situado neste majestoso Vale do Picão.

Como me relatou o saudoso José D’elminda, jovem da época que se fez presente ao cerimonial, dentre os participantes estavam o senhor Pereira, Egídio Braga do Couto (Nego Braga), Vital Pio da Fonseca, Guilhermino Rodrigues da Costa e outros de igual valor. Dentre as mulheres presentes: Rosalina Teodora da Costa, a grande benfeitora da comunidade, que doou um valor para a construção da igreja acrescido de uma parcela a mais, solicitando ao vigário aquisição de uma imagem de Santa Rosa de Lima, consagrando-a como nossa padroeira.

Estiveram presentes também minha saudosa mãe e dona Zita Braga, cantoras no mavioso coral da comunidade que enalteceu o evento. Dona Zita, única sobrevivente desta história, uma lenda viva de nossa terra, atualmente prestes a completar seus 99 anos bem vividos. Nascida em 01/08/1924 e casada aos 12/10/1940 com Antônio Pedro do Couto (Neném Braga), também um célebre vulto de nossa terra. Um casal exemplar genitores de 13 filhos, que lhes deram 43 netos, 75 bisnetos e 20 trinetos.

Essa heroína, com sua fé inabalável e uma admirável grandeza espiritual, juntamente ao marido, seguros pelas mãos de Deus, fizeram do seu lar um verdadeiro templo, um santuário em virtudes e superação, transformando as lágrimas causadas pela dor de suas perdas por adversidades inesperadas, um filho, levado prematuramente e seu marido chamado naturalmente por Deus, seguido anos mais tarde por um neto tragicamente acidentado.

Transformando sua dor em motivação e paciência, embora de coração partido, seguiu em frente e continuou espelhando sua família, que atualmente está entre os mais importantes pilares sociais de nossa terra, através da arte e do trabalho, na geração de empregos e orientação espiritual espelhados no exemplo laborioso herdados dos pais.

Dona Zita fez da sua vida um verdadeiro templo em ternura e oração em sua caminhada de fé. A partir dos sete anos, já dividia seu tempo entre a escola e o trabalho, ajudando a mãe no seu cotidiano doméstico. Ainda jovenzinha, perdeu a visão de um olho no árduo trabalho da lida rural. Fatalidade ocorrida quando descascava mandioca na fabricação de farinha. Ao puxar uma raiz de mandioca, a faca escapou e sua ponta atingiu seu olho. Um acidente presenciado por minha mãe, sua colega de trabalho que prestava serviço aos seus pais. Mesmo assim, de olho sangrando, ela trabalhou o dia todo, mamãe sempre lamentou esse trágico acontecimento. Segundo afirmava, os pais de dona Zita, com a cultura primitiva da época, disseram que aquilo não seria nada grave, era uma coisa sem importância, insignificante. Só no dia seguinte, depois dos apelos de minha mãe e da filha, eles se tocaram da dimensão do problema. Mas, infelizmente, já não puderam reverter sua visão e a perda foi inevitável.

Sem esmorecer como dona de casa e mãe de 13 filhos, enfrentou todas as dificuldades e carências do meio rural, superando todos os obstáculos que encontrou em seu trajeto pelas espinhosas veredas sertanejas, submissa a uma cultura machista e impiedosa que colocava a mulher a um nível de inferioridade cruel e injusto. Ela cumpriu sua árdua missão com um dom só encontrado no sublime ser, cujo nome se escreve com apenas três letrinhas... ‘’MÃE. ’’...!

Ao redigir este simples relato, uma pergunta me calou fundo na imaginação, de onde vieram tamanhas força e inspiração que transformaram a pequena dona Zita Braga em uma brilhante heroína, com sua gigantesca capacidade de superação?

Cheguei a uma conclusão: ela foi aluna da saudosa professora, a mestra dona Maria Guerra, e teve o privilégio de formar sua personalidade iluminada pela magia dessa fada abençoada, que inspirada por Deus, abraçou de corpo e alma nossa terra, espalhando sobre ela a luz do seu dom e conhecimento.

 

 

 

 

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 09/10/2023
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