Algumas coisas não esquecemos. Ficam em nossas lembranças para o resto da vida. Definitivamente esse dia me marcou. Enfim, iria ao meu primeiro Baile de Carnaval do Clube Português do Recife.
Várias recomendações já nos fizeram descer do carro um pouco tontas, porém não menos ansiosas.
Na época, com 14 anos (pois os 15 não chegava nunca), isso era a glória. Fui com meus pais, minha irmã, duas amigas e alguns amigos dos meus pais. Estava "me achando", vestida de cigana, com uma saia longa, cheia de colares e super ansiosa para enfim conhecer o carnaval do clube.
- Não se afastem muito da mesa.
- Não tirem as sandálias, pois pode ter garrafas quebradas no chão.
- Não bebam nada que lhes ofereçam.
Etc, etc, etc....
Várias recomendações inibitórias.
Mas enfim chegamos ao salão. Por alguns momentos conseguimos ficar à mesa, de repente, quem sabe, analisando "todos" os "nãos" antes do primeiro passo.
Pra quem gosta de dançar, até que fiquei parada muito tempo.
Aos poucos começamos a dançar por ali mesmo e ficamos mais à vontade com o momento, para mim, tão inusitado.
"...Ouvi dizer que numa mulher, não se bate nem com uma flor, loura ou morena não importa a cor...." rolava salão adentro quando um belíssimo pirata pediu que lesse sua mão. Olhei para trás, primeiro com medo do meu pai, segundo para saber se era comigo mesma que falava. Mas não havia nenhuma outra "cigana" por ali e era dentro dos meus olhos que o pirata olhava fixamente.
Acho que foi o primeiro "frio" na barriga que senti na vida. Paixão à primeira vista.
O pirata era um sonho, desses que se sonha por toda a adolescência. Como viu que fiquei completamente sem ação, chamou para dançar no salão. O "não dance com estranhos" martelava na minha cabeça e Claudionor Germano não cantaria mais baixo para que perguntasse ao meu pai se eu poderia sair com o pirata. Mesmo assim acho que era claro que não deixaria. Pedi que dançasse ali mesmo (na tentativa do meu pai ao menos simpatizar com ele). Assim foi. Meu pai de olho.
O rapaz devia está me achando uma boboca. A orquestra tocando " ouvi dizer, que o mundo vai se acabar, que tudo vai pra cucuia, que o sol não mais brilhará..."
- Meu Deus, antes que o mundo acabe, deixa o pirata aqui mais um pouquinho..., pensava eu.
Alguns momentos depois ele começou a falar algumas coisas que com o barulho eu não conseguia escutar porque também ficava com medo de chegar muito perto dele e meu pai brigar. Um inferno.
Minhas amigas e minha irmã estavam por ali e também dançavam perto da mesa. Achei que ele iria embora, mas ficou o tempo todo perto.
Por essas alturas eu já sabia seu nome e conseguimos trocar ideias, apesar da orquestra estar um pouco próxima.
- Pede pra ir ao banheiro.
- Hein?
- Pede pra ir ao banheiro.
Fiz que não entendi, procurando saber o que dizer. Não iria sozinha ao banheiro e não sabia o que ele queria com isso. "Cuidado com estranhos", lembrei.
As meninas nessa hora também já estavam cansadas de ficar por ali, queriam dar umas voltas também. Então conseguimos sair dizendo que íamos ao banheiro. O pirata, claro, nos acompanhou.
Ficamos rodeando o clube, olhando as pessoas. Finalmente conseguimos conversar.
De repente percebemos que fazia muito tempo que tínhamos saído e resolvemos voltar quando começou uma briga no salão. Ouviu-se garrafas quebrando e algumas pessoas corriam. A orquestra parou um pouco até a situação ficar sob controle. Mas fora apenas alguns exaltados que já haviam tomado todas.
Quando chegamos minha mãe estava desesperada, sem saber o porquê da nossa demora e com medo que tivéssemos nos machucado na briga. Desde então, não saímos mais de perto deles.
Estava fascinada pelo pirata e ele por mim.
Após um tempo fomos liberadas novamente para o salão. Foi então que tentou me beijar. Com receio de beijar "errado" e por causa das meninas, recusei. Depois disso esperei que me mandasse catar coquinhos, mas não mandou. Já arrependida da recusa, deixei as meninas se afastarem um pouco e então, numa segunda tentativa, o beijo saiu. Estranho, assustado, mas bom. Muito bom.
Ele ficou conosco até o fim, quando ao som de "Vassourinhas", o baile acabou para nós.
Meus pais queriam ir embora e, na hora em que tudo parecia ficar melhor, deixamos o salão (e eu, meu pirata).
Mas, sem protestos, me despedi, sem nem ao menos trocar telefones.
O resto do carnaval foi de saudades da minha primeira paixão que jamais encontraria novamente.
Primeiro baile, primeiro amor. As músicas dias e dias na minha cabeça. Elas, o pirata, o beijo, o salão.
A voz do intérprete que definitivamente passava sentimentos nas canções fazendo com que as sentíssemos e não só ouvíssemos, marcaram eternamente.
Hoje, com 60 anos de carreira, faço uma homenagem a esse intérprete que por tanto tempo embalou paixões de ciganas, piratas, pierrôs, colombinas, palhaços, hawaianas e tantas outras.
Parabéns Claudionor Germano, por participar de maneira tão especial da vida desses pernambucanos que o adoram.
Essa Frevioca aí é em sua homenagem (inaugurada por você junto à Orquestra Popular do Recife).
Você é "madeira de lei que cupim não rói".