O menino Alex
Para falar sobre o primo Alex Ivan de Castro Pereira não é necessário usar muitas iniciais do alfabeto nem se aprofundar em conceitos. Basta resumi-lo em Amoroso, Agregador, Alma de Criança, Bom Humor, Generoso e Vida Intensa
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Alex era, principalmente, amoroso, sem dúvida. Tinha uma admiração, quase adoração, pelos tios de Pitangui e Itaúna. Dininho e Tito eram uito parecidos fisicamente a seu pai, William Stead. Desde quando começou a reunir goianos e mineiros, no princípio dos anos 90, os dois tios eram companhias inseparáveis.. Não me lembro dele com o Tio João Jacques, talvez porque nosso tio tenha falecido naquela época. Alex reunia todos para almoçar no lugar preferido dos mais velhos, o Restaurante do Geraldo, em Onça do Pitangui. Adorava também a Tia Laura e passou a visitá-la quando ela se mudou de Santa Luzia para Pitangui.
Aliás, com a Tia Laura demonstrou o mais alto nível de generosidade. Pôs toda boa vontade para que ela se operasse da vista em Goiânia. Levou-a para consultas e acompanhou todo o processo, que não chegou ao fim por obstáculos médicos, mas não por falta de apoio e recursos financeiros.
A sinceridade do Tio Dininho
Creio que a amizade por meu pai era uma compensação mútua. Perdeu seu pai, se não me engano, com pouco mais de 70 anos, muito cedo para os padrões de hoje. Por meu lado, com a vida que levo, sempre longe de Minas, talvez fosse otimamente substituído, digamos, pelo Alex. Os dois passavam horas conversando, na frequência dos Pereira, poucas palavras, muito sentido e sentimento. Alex se redobrava para agradar meu pai, era até emocionante vê-los juntos. Mas – prestem atenção - a idade adquire alguns direitos e ousadias que aos mais novos não se concede.
Um dos presentes que o Alex levou para meu pai foi uma cafeteira elétrica. Fez o comercial do presente e prontificou-se a experimentá-lo juntamente com ele. Caprichou no café e sentenciou:
- Tio, o senhor nunca tomou um café assim.
Botou na xícara e serviu o novo néctar dos deuses ao Tio querido. Porém, a resposta não foi a esperada. Mais ou menos assim:
- Alex, vô te falá a verdade, nunca tomei um café tão ruim na minha vida!
Eu não vi a cena, mas quem viu diz que a surpresa e a decepção se estamparam na hora na cara do Alex. Ele ainda tentou contemporizar:
- É, Tio, no princípio a gente não gosta, mas depois não toma café do jeito tradicional, no coador, cafeteira. Experimenta mais algumas vezes.
Alguns dias depois, já morria de rir com a história.
Era uma Alma de Criança, não guardava rancores. De certo modo, Alex sempre foi um menino. Claro, dentro do mundo das responsabilidades de adulto, pai, marido, avô, irmão, filho, ele mantinha seu caráter alegre e brincalhão. Mais novo do que eu uns dois anos, sempre me cutucava quando eu trocava de idade.
- Parabéns, ancião! Tô fazendo curso de cuidador, não contrate ninguém antes de falar comigo.
Aliás, seu Bom Humor e sua Alma de Criança estavam presentes o tempo todo, fosse verbalmente ou pelo WhatsApp, no grupo da família. Fazia brincadeiras até com sua data de aniversário, que era o dia de Finados. Um fato curioso foi quando saiu da UTI neste seu último tratamento. Pensei: vou mandar uma mensagem de solidariedade ao Alex. E mandei. A resposta foi seca:
- Meu nome é Antônio.
Enviei outra mensagem, acreditando que era mais uma brincadeira dele:
- Pois, Antônio, seu senso de humor é igual ao do meu primo Alex.
Aí não veio mais resposta. Uns dias depois, comentei com o Marquinho, da Tia Eugênia, o Marco Antônio de Souza, e ele me contou que aquele número não era mais do Alex.
Agora me vêm também lembranças da infância. Uma vez, Tio William veio de Rio Verde visitar a vovó Isabel. Deve ter sido por volta de 1957 ou 1958. Hospedaram-se no sobrado do Saul Luciano, na rua Dr. Jacinto Álvares, uma das muitas residências dela em Pitangui. O sobrado não mais existe, mas as histórias sim. As brincadeiras entre os primos, todos pequenos, não faltaram. E também travessuras, onde o Alex era protagonista de tempo integral.
Numa delas, ele correu atrás do Marquinho e enfiou-lhe um garfo na bochecha. Não me perguntem por quê. No mesmo dia, ou dias depois, ele botou na boca uma folha de “comigo-ninguém-pode” e começou a babar. Para quem não sabe, a “comigo ninguém-pode” é uma folhagem decorativa e... venenosa. Foi um deus-nos-acuda até alguém achar a solução para aquele “babado” do Alex. Traquinagens não lhe faltaram na infância.
Nessa mesma época, lembro-me também do episódio do cineminha que meu pai me presenteara. Eu já tinha reunido colegas da escola para mostrar a maravilha e passado uns filmes para eles. Ainda nem tinha me acostumado com o brinquedo (uma maquininha de passar filme a manivela, os filmes eram desenhos de papel tipo “manteiga”). Papai me perguntou se podia dar o cineminha de presente pro Alex, não via outra coisa mais interessante que aquilo - eu disse que sim, mas não sei se foi de boa vontade. Mas era primo de longe, tinha de ser cordial. A minha recompensa por ser cooperativo seria ganhar uma bicicleta uns dias depois. E ganhei.
Foi uma Vida Intensa a vida do Alex. Os problemas de saúde não o limitavam. Viajava muito pela profissão e aproveitava para visitar parentes. Tivemos pouca convivência, mas os momentos que passamos juntos foram sempre muito divertidos. As últimas vezes que nos vimos foram em Brasília. Ele apareceu, como sempre sem avisar, e fomos almoçar numa barraquinha de comida caseira dos funcionários dos Ministérios e da Câmara Federal. Coisa simples, comida do dia a dia. Ele chegou com os dois inseparáveis cachorrinhos no carro, estava mal estacionado na rua, pedi autorização para ele entrar no estacionamento do” Bolo de Noiva”, um anexo do Itamaraty, pois na rua estava difícil encontrar vaga. Deixou os cachorrinhos dentro do carro, ar condicionado ligado, e fomos comer nosso arroz com feijão, um lindo bife e uma saladinha caprichada. Isso mesmo, numa barraquinha de madeira, na rua, entre o anexo da Câmara e o “Bolo de Noiva” do Itamaraty.
Uns tempos depois, ligou de um shopping em Brasília e me intimou a almoçar com ele num restaurante de luxo. Saí do trabalho, fui ao Lago Norte e almoçamos muito bem, E como sempre ele não deixava pagar a conta e qualquer ambiente o que importava era a companhia.
Várias vezes, já em Brasília, ele ligava e dizia:
- Arruma, tô indo agora pra Pitangui. Passo aí em meia hora.
Ele era assim. Pensava, sentia e agia numa só direção. Por várias razões, a maioria pelo trabalho, eu não podia ir. Outras, é que não sou como ele, que tomava decisões no instante.
O sequestro consentido
Talvez por isso, resolveu pregar-me uma peça. Me convidou muitas vezes pra ir a Rio Verde, nas várias épocas em que morei em Brasília. Eu sempre procrastinava, como estão dizendo hoje no lugar de “adiava”. Um dia, era sexta-feira, eu estava de passagem por Brasília e estava livre no final de semana. Liguei para saber se estava em Goiânia, pensava visita-lo. Estava. Avisei que ia de ônibus, peguei endereço e tudo, ele disse que não tinha problema, que ele me pegava na rodoviária. E pegou. Dali, o combinado era irmos conhecer seu escritório e depois seu apartamento na capital goiana. E assim parecia ser. Com o passar dos minutos e quilômetros, comecei a achar que os prédios do centro de Goiânia estavam cada vez mais distantes. Ele, rindo, dizia:
- Calma, tá nervoso, vai pescar – e seguia dirigindo e rindo gostosamente.
Depois de algum tempo, já sabia o meu destino e me conformei. No fundo, achei até bom, pois iria, finalmente, conhecer Rio Verde, a Tília, sua esposa, e os filhos, Alexandre, Alex Filho e Ana Flávia. Com pouco – ou muito – já estávamos chegando a sua cidade natal. No caminho, paramos num restaurante da estrada, almoçamos, e seguimos viagem, eu sequestrado, ele o sequestrador, e tudo numa boa. Assim era o Alex. No carro, ele escutava no um cd de um amigo, cantor e compositor goiano, acho que de Rio Verde mesmo, cujo nome não lembro, Recordo que me deu o cd, que conservo até hoje.
Sequestro de primo, aliás, era com ele mesmo, portanto. O Marquinho da Tia Eugênia, que o diga, pois foi “sequestrado” um monte de vezes para ir com ele de Itaúna a Rio Verde. Era do mesmo jeito, chegava e dizia: arruma, a gente vai jantar/almoçar na Onça. Às vezes era em Itaúna mesmo, no “Sandoval”, ou em Belo Horizonte, no “Maria das Tranças”. Às vezes, do restaurante mesmo já seguia direto para sua cidade natal.
Alex foi um Agregador. Foi ele quem incentivou a criação dos dois grupos de família, Stead e Santiago & Pereira. Além do contato virtual, volta e meia, aparecia por Pitangui, depois de participar de audiência em algum processo de seu escritório que corria em Minas. As distâncias entre Rio Verde, Goiânia, Brasília, Pitangui, Belo Horizonte e Itaúna eram insignificantes para aquele “viramundos”. Era caminho da roça. Nesse movimento de inclusão, trouxe para o convívio familiar a Egler, do Tio Fausto, as meninas da tia Laura, os filhos do Tio Tito e Tio João Jacques (principalmente Geraldinho, Fausto e Liliane), da Tia Eugênia (Marquinho e João) e meus irmãos. Por mais arredios que fossem esses Pereira, o Alex conseguia juntá-los e mantê-los no grupo, sob as palavras de ordem:
- Vamo juntá a Pereirada!
De certa feita, aproveitei pra perguntar quando é que ia organizar a olimpíada dos Pereira, a PEREIRÍADA. Já que ele não teve tempo, porque não pensar em organizá-la? Seria a forma mais perfeita de homenageá-lo. Quem se habilita?
Pois, por fim, num dia de novembro, de um ano que não terminou, depois de muito sofrimento, chegou a notícia tão temida: Alex foi encantado, fez a passagem, subiu aos céus, desencarnou... o que quiserem, só sei que já não está entre nós fisicamente. Adeus, meu primo, adeus! Você continuará em nossas lembranças, será tema de muitas conversas e, de várias maneiras, permanecerá conosco. E te agradecemos por toda a alegria, por toda a amizade e, principalmente, pelo espírito de união que presenteou a nossas famílias goianas e mineiras.