O SONHO DE ABRIL

- Antologia Poética -

«1974 – 2020»

TANTO DE ABRIL PARA SE DIZER

TANTO DE ABRIL PARA SE PENSAR

TANTO DE ABRIL PARA SE FAZER

OU … VALERÁ A PENA ACREDITAR?

Frassino Machado

Lisboa 2020

***

ABRIL, QUEM TE VIU E QUEM TE VÊ

«Ao 25 de Abril de 2019»

Ó Abril, ó Abril, quem te viu e quem te vê!

Tu eras um ditoso sonho de encantar

E, agora, desdenham-te sem saber porquê

E, se falam de ti, é apenas por falar…

Tu foste aquele sonho de um País florido,

Tu foste a nobre aposta de justa liberdade,

Projecto de bem-estar jurado e garantido

Numa aurora de clara luz e de igualdade.

Mas hoje, Abril, Abril, onde é que tu estás?

Eu vi-te, criança sorridente de mãos dadas,

E tu que foste alegria em claras madrugadas

Porque és agora nevoeiro p´ las manhãs?

Os teus filhos, Abril, cantaram-te em baladas,

Que serviram de alento nas tuas horas más,

Mas que hoje são apenas elegias vãs

Das esperanças vazias e abandonadas…

Ó Abril, ó Abril, onde estão os teus heróis,

Aqueles heróis que arriscaram por ti a vida?

Ó louco Abril clareia-nos a alma doutros sóis

Num corpo de uma Pátria forte e renascida!

Frassino Machado

In JANELAS DA ALMA

*

EI-LOS QUE PASSAM

Ei-los que passam, dia após dia,

Andar pesado, sem alegria,

Faces queimadas ao sol do Verão

Suor, amargo, sabor de pão.

Aldeias, vilas, cidades,

Arranha-céus a crescer,

E os homens seus construtores

Em cabanas vão viver!

Cimento e pedras, baldes de areia,

Máquinas roucas, voz de sereia,

Vidas suspensas de andaimes altos

Olhando o mundo em sobressaltos.

Aldeias, vilas, cidades,

Arranha-céus a crescer,

E os homens seus construtores

Em cabanas vão viver!

De olhos tristes, filhos e pais,

Ao fim do dia não podem mais,

E em cada noite o sonho traz

Sempre uma esperança que o sol desfaz…

Aldeias, vilas, cidades,

Arranha-céus a crescer,

E os homens seus construtores

Em cabanas vão viver!

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

ABRIL – SAUDADE

“Aos vendilhões de Abril”

“Foi você que pediu Abril?

Não sei bem mesmo porquê

Nem me lembro o que isso é.

Mas s´ é assunto tão febril

Isso é lá com ele e você!”

Nós é que pedimos Abril

Pois já temos dele saudade

E de um país de qualidade,

Quem o não sente é senil

E não tem sensibilidade…

Vós, porém, sois vendilhões

E gozais de privilégios,

Como se fosseis egrégios.

E nós, cheios de ilusões,

Perdemos os sortilégios.

Vendestes nossos direitos,

Rasgastes nossas conquistas

E, à laia de fogo de vistas,

Engalanais vossos preitos

Com discursos elitistas.

Vendestes aos vis credores

A justiça e a educação,

E até a Constituição,

Ficando nós devedores

De uma Crise sem razão.

Vendestes a saúde e as leis,

As escolas e hospitais,

Para amealhar capitais

E nós, cidadãos fiéis,

Com uns trocos virtuais.

Vendestes os operários,

Os projectos e as pensões,

Toda a alma e corações,

E nós, com ideais primários,

Embalaremos gerações.

Vendestes nossas baladas

E nossos cantares de outrora

E, felizes, vindes agora,

Em escuras alvoradas,

Colocar o Abril lá fora.

Vós, vendilhões afamados,

Nessa Casa da Oratória,

Respirais virtude notória

Nos cadeirais instalados

Da esplanada da história.

Temos, sim, muita saudade

E queremos recuperar,

O que o Sonho reclamar,

Nas asas da liberdade

De um Abril que há-de voltar!

Frassino Machado

In RODA-VIVA POESIA

*

DAR A MÃO À LIBERDADE

Se ao poder que impera

Uma fúria resiste,

Se a chegada é espera

De um amigo que existe.

Se uma boca se abre

E uma chama se acende,

É a razão da verdade

Que o homem pretende!

Vamos, amigos, quebrar mil vidraças,

Saciar de paz a fome das raças.

Olhar sempre em frente, sem medo,

De dar a mão à Liberdade!

Alertar é urgência

P’ ra quem é instalado,

Expulsar a inocência

De quem ‘stá parado.

Informar se pretende,

A quem s´ está a esquecer,

De que existe no mundo

Uma vida a viver!

Vamos, amigos, quebrar mil vidraças,

Saciar de paz a fome das raças.

Olhar sempre em frente, sem medo,

De dar a mão à Liberdade!

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

ALELUIA, CANTEMOS TODOS

“Aos ressuscitados de boa vontade”

Aleluia, aleluia, sempre e em bons modos,

Com o maior prazer das nossas vidas

Esqueçamos, porém, todas as feridas

De tão desventuradas farsas pra nós todos.

Aleluia, aleluia, oh, cante-se bem,

Aleluia, este é o nosso dever

Aleluia, não devemos esquecer

Que estas fortunas não enriquecem ninguém.

Devemos, doravante, aleluia usufruir

Sem nunca renegar as liberdades

E nunca prescindir dos nossos pergaminhos.

Aleluias e hossanas, vamos distribuir

Em cada dia e em todas as idades

Para que a luz de Abril nos mostre seus caminhos…

E se for necessário ressurgir de novo

Cantemos aleluias com o Povo!

Frassino Machado

In RODA-VIVA POESIA

*

POEMA DO CÁRCERE

Trazes-me rosas vermelhas,

Sangue dos rios que correm,

Se um homem mata outro homem

São duas vidas que morrem.

Trazes-me rosas singelas,

Mas deixas o sol na rua,

A esperança das grades negras

É ver o sol ou a lua.

Trazes-me rosas cortadas,

Podem entrar sem favor,

Tu tens de ficar à porta

Só porque és meu amor.

Trazes-me rosas, p’ ra quê?

Vão murchar, cair no chão:

As rosas não fazem crimes

P’ ra vir morrer na prisão!

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

ALGUÉM VIU ABRIL?

“Aos desiludidos do 25 de Abril”

Anda perdido o Abril

Ninguém sabe onde ele está

Há incertezas, mais de mil,

Se alguém o viu, quem será?

Ai Abril, terna paixão,

Tantos «sims» ambicionados

E agora de “não” em “não”

Há cidadãos angustiados.

Ouve-se pouco o teu canto

E, em sua vez, o impropério,

Os ideais perderam encanto

Cada evento é um mistério.

Abril, eu já te não sinto,

O meu coração está frio

Teu futuro é um labirinto

A galopar num vazio.

Abril, eu clamo por ti,

Vai-se o eco tão veloz,

Em nenhum rosto te vi

Muito menos a tua voz.

Alguém viu Abril, alguém?

Pois não, que já é nevoeiro.

E a vil palavra NINGUÉM

É o seu eco derradeiro!

Frassino Machado

In ODISSEIA DA ALMA

*

ECCE ABRIL

“Ai dos sofridos, coitados”

Depois de todos os IDEAIS mais suspirados,

Depois de todas as CANÇÕES mais que cantadas;

Depois de todos os percursos realizados,

Depois de todas as virtudes embandeiradas;

Depois de todos os direitos conquistados,

Depois de todas as razões justificadas;

Depois de todos os projectos estruturados,

Depois de todas as reformas cimentadas;

Depois de todos os acordos enunciados,

Depois de todas as alianças ajustadas;

Depois de todos os motivos propalados,

Depois de todas as apostas conjugadas;

Depois de todos os horizontes apontados,

Depois de todas as etapas reclamadas;

Depois de todos os valores consagrados,

Depois de todas as partilhas esgotadas;

Onde está o ABRIL prometido?

Ecce ABRIL, Abril vencido!

Frassino Machado

In MUSA VIAJANTE

*

MEU CORAÇÃO DE ABRIL

Coração de Abril plantado

No peito do meu País

Estás de rastos, derrubado,

Sangrando da cicatriz…

Cicatriz na própria terra

Assemelhando um deserto

Num futuro que desterra

P´ lo seu horizonte incerto.

Cicatriz na natureza

Nos animais e nas flores

E num sorriso de tristeza

Na solidão dos amores.

Cicatriz na juventude,

Que está lá fora cá dentro,

Nos idosos sem saúde

E na ´sprança do sentimento.

Cicatriz na vida activa

E na dor do desemprego

Com os sonhos à deriva

Sem arrimo nem sossego.

Cicatriz na educação,

Na cultura que s´ estiola

Na reduzida instrução

Sem igreja e sem escola.

Cicatriz no olhar vazio

Vagueando na descrença

Com a alma ao desvario

Nas sendas da desavença.

Cicatriz na segurança,

Na justiça e na fazenda,

Governos em contradança

Sem ideias nem emenda.

Cicatriz nas emoções,

Nas aldeias e na cidade,

Rareando as Instituições

Garantes de liberdade.

Cicatriz na auto-estima,

Nos valores congelados,

Tradição que não confirma

A aura dos antepassados.

Cicatriz de Abril ´sgotado

Sem memória nem espaço

Num solo pátrio esmagado

Sem forças para um abraço.

Ó meu coração de Abril

Caído na noite escura

Foste forte e agora és frágil

Nesta Nação insegura!

Frassino Machado

In JANELAS DA ALMA

*

COZINHEIRO DO TEMPO

Fui ao grande hotel da vila

Pedi um prato de paz:

Ai! Comi guerra guarnecida

Com cabeça de rapaz...

Fui ao grande hotel da vida

Pedi um prato de esperança:

Ai! Comi raiva guarnecida

Com corações de criança!

Ó cozinheiro do Tempo,

Se não aprendes mais nada,

Serás um dia alimento

Nos dentes de uma granada!

Fui ao grande hotel da roda

Pedi vinho do tonel:

Ai! Bebi petróleo da moda

Com sabor à “maître-hotel”...

Fui ao grande hotel ´splanada

Pedi valsa e coquetéis:

Levei bomba misturada

Com silvos de cascavéis!

Ó cozinheiro do Tempo…

Fui ao grande hotel Paraíso

Pedi néctar de bom gosto:

Bebi sangue caldeado

Com ódios em cada rosto...

Fui ao grande hotel do mundo

Pedi para o visitar:

Vi o povo lá no fundo

E a burguesia a reinar!

Ó cozinheiro do Tempo…

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

O GRANDE DESAFIO

Ou

«A troca de Armas por Cravos»

Armas são armas, instrumentos de poder

Que saem da nefasta mão de um predador;

Flores são flores, revelação do Criador

Para a Mãe-Natureza se enriquecer.

Dois manifestos relativos de grão valor:

Um, é produto da ganância e do Ter

Outro, é produto do privilégio do Ser,

Reivindicando ambos todo o seu vigor.

O primeiro é prerrogativa da existência

Em que o homem se faz actor do próprio agir;

O segundo é prerrogativa daquela essência

Em que se vê a humana alma a refulgir.

P´ las armas tem-se a via da confrontação,

Paredes meias com o ódio e co´ a fealdade;

P´ las flores tem-se a via da contemplação,

Manifestando-se nelas beleza e dignidade …

É este o desafio que a Razão pondera:

«Troca d´ armas por Cravos» é Bem e não quimera!

Frassino Machado

In ODISSEIA DA ALMA

*

SAUDEMOS ABRIL

“À memória de Salgueiro Maia”

Abril, saudemos Abril

Com o calor da nossa voz,

Abril, cantemos Abril

Aqui bem dentro de nós!

Vinte e cinco foi o Dia

Em que Abril regurgitou

Com ele a Democracia

Para sempre triunfou.

Veio à luz na madrugada

Pela força dos Capitães

Este país, não sendo nada,

Logrou o melhor dos bens.

A esperança amortecida

Alcançou força vital

Na alma de nova vida

Para este Portugal.

Foi o Cravo uma bandeira

Que o próprio povo escolheu

De uma forma bem ordeira

Outra esperança renasceu.

Renasceu a Liberdade,

A Justiça e a Educação,

A saúde em toda a idade

E o sonho de melhor pão.

Findou a guerra maldita

Fugiram os predadores

Mas, para nossa desdita,

Ficaram os exploradores.

Alguns decénios passaram

Da gloriosa Revolução

E só Saudades ficaram

Na alma desta Nação.

Nosso povo adormecido

Tem as forças minguadas

Pelo caminho percorrido

E expectativas falhadas.

Há por aí quem se contente

Com riquezas acumuladas

Mas os direitos da gente

Foram-se em águas passadas.

O sonho do povo voou

Num horizonte em deslize

E alguém se aproveitou

Por entre nuvens de crise.

Ó vós, deste País os tiranos,

Que o digno Abril desprezais,

Pagareis daqui a uns anos

O preço que ora cobrais…

Abril, saudemos Abril

Com o calor da nossa voz,

Abril, cantemos Abril

Aqui bem dentro de nós!

Frassino Machado

In RODA-VIVA POESIA

*

MINHA TRIBO

Ensinaram-me coisas

Tiraram-me loisas,

Loisas e coisas que tinha,

Só me deixaram a tribo

Esta tribo que é minha...

Minha tribo, Liberdade,

Minha tribo, Liberdade,

Eu já não quero saber

Eu já não quero saber

Da minha antiga cidade!

Levaram-me terras

Tiraram-me as serras,

Serras e terras que tinha,

Só me deixaram a tribo

Esta tribo que é minha...

Minha tribo, Liberdade...

Ceifaram os milhos

Tiraram-me os filhos,

Filhos e milhos que tinha,

Só me deixaram a tribo

Esta tribo que é minha...

Minha tribo, Liberdade...

Fizeram riqueza

Tiraram-me a mesa,

Mesa e riqueza que tinha,

Só me deixaram a tribo

Esta tribo que é minha...

Minha tribo, Liberdade...

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

TROVAS DA MEMÓRIA QUE PASSA

“Como eu vivi a Revolução”

P´ las seis horas da manhã

Alguém bateu à minha porta:

Oiçam, anda aí coisa torta,

E o governo aflito está…

Pensei ser uma patranha,

Como já era costumeiro,

Fiz a conta c´ o travesseiro

Por notícia tão estranha.

Mal refiz a madrugada

Liguei logo a telefonia

Não era, não, fantasia

E a rua estava agitada.

Grândola, Grândola, “Aqui

Movimento das Forças Armadas…”

As coisas estavam tramadas,

Estavam, pelo que ouvi.

De hora a hora o mesmo aviso

Para cada cidadão

Está em curso a Revolução

E o governo está indeciso.

Sem tempo para comer

Muito menos trabalhar

Fomos logo acompanhar

O que estava a acontecer.

Numa das mãos o transístor

Na outra sandes ligeira

Corremos sem tremedeira

À procura de uma flor.

Tome lá uma, ó vizinho,

Grândola Vila Morena

Oiçam agora a cantilena

Qu’ antes se ouvia baixinho.

Passámos p´ lo Bairro Alto

Com ruas cheias de gente

E vimos à nossa frente

Militares em sobressalto.

No cimo de uma chaimite

Com megafone na mão

Topámos um Capitão

Dando ordem e um limite.

“Acabou o vosso tempo:

Ou saem cá para fora

Ou, dentro de meia hora,

Atiro co´ as portas dentro”.

Voltando-se para o povo

O mesmo arauto gritou:

“Afastem-se, tudo mudou,

Já temos um dia novo!”

Todo o povo delirava

Ao ver que ali escondidos

Estavam, quais foragidos,

Aqueles a quem odiava.

“Um … quando disser três,

Darei cabo desta laia!”

Proclamou capitão Maia

Erguendo a voz outra vez.

“Viva!” … A malta aplaudia,

“Seus assassinos, bandidos…”

E com gestos desmedidos

Davam largas à folia…

Três rajadas de repente,

Sem cair Carmo e trindades,

Mas caíram as verdades

Do Regime d´ antigamente.

Na Chaimite os maiorais

Os capitães algemaram

E as tiranias findaram

Para não voltarem mais!

Frassino Machado

In MUSA VIAJANTE

*

ABRIL - SER OU NÃO SER MÁSCARA

“Às máscaras de Abril”

No cortejo das avenidas

Em cada rosto a sua dor

Passa Abril às escondidas

E ninguém lhe dá valor.

Palavras e mais palavras

Desnudam-se as duras vidas

Da multidão são escravas

No cortejo das avenidas.

Justiça, saúde e pão,

As faixas suam fervor,

Desemprego, educação,

Em cada rosto a sua dor.

Há canções de impropério

Em tons de cores garridas

Ao ritmo do despautério

Passa Abril às escondidas.

Com rosto desfeiteado

E num corpo sofredor

Anda o sonho acorrentado

E ninguém lhe dá valor.

Já reclama o país todo

No barulho da fanfarra

O poder cumpre a seu modo

Pouca uva e muita parra.

Corre sangue, correm lágrimas,

Como narra a velha crónica,

Com um olhar a deitar chamas

Já lá vem a fiel Verónica.

Àquela turba, espantada

Do rosto de Abril chagado,

Mostra a máscara estampada

Em seu véu esbranquiçado.

Ó alma da juventude

Que buscas sustentação

Como exemplo de virtude

Aproveita esta lição.

Vós, maiorais e coronéis,

Que em Abril ferrais o olho,

Ide pondo, e não tardeis

As vossas máscaras de molho!

Frassino Machado

In MUSA VIAJANTE

*

MÁSCARAS

Estão no palco os artistas

P’ ra fazerem recital,

Largos gestos, lindas vistas,

E no fim é Carnaval!

Máscaras,

Sempre nascidas e tingidas e vestidas

Máscaras,

Sempre voltadas e mudadas e rasgadas!

Vai no adro a procissão,

Cada rosto é sinal,

Belas frases no guião

E no fim há Carnaval!

Máscaras,

Sempre nascidas e tingidas e vestidas

Máscaras,

Sempre voltadas e mudadas e rasgadas!

Vai na rua a maralhada,

Tanto bem ou tanto mal,

Só se salva desta alhada

Quem conhece o Carnaval!

Máscaras,

Sempre nascidas e tingidas e vestidas

Máscaras,

Sempre voltadas e mudadas e rasgadas!

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

EMBAIXADORES DA MORTE

Não viram por aí?

Não viram por aí?

Os senhores da capa negra

Que não pensam senão em si.

Não viram já passar?

Não viram já passar?

Os senhores da capa negra

Que só pensam em matar...

Os embaixadores da morte,

Os embaixadores da morte:

Sem olhos, sem mãos e sem norte!

Sem olhos, sem mãos e sem norte!

Sem olhos, sem mãos e sem norte!

Não viram por aí?

Não viram por aí?

Os senhores da luva negra

Que só vivem para si.

Não viram já roubar?

Não viram já roubar?

Os senhores da luva negra

Que só vivem para lucrar...

Os embaixadores da morte…

Sem olhos, sem mão e sem norte!

Não viram por aí?

Não viram por aí?

Os senhores da alma negra

Que só sentem para si.

Não viram já arder?

Não viram já arder?

Os senhores da alma negra

Que só sentem ao morrer…

Os embaixadores da morte,

Os embaixadores da morte:

Sem olhos, sem mãos e sem norte!

Não viram por aí?

Não viram por aí?

Os senhores da mente rasa

Que não vêm um “til” de nada.

Não viram já acabar?

Não viram já acabar?

Os senhores da mente rasa

Cuja vida é contestar...

Os embaixadores da morte,

Os embaixadores da morte:

Sem olhos, sem mãos e sem norte!

Sem olhos, sem mãos e sem norte!

Sem olhos, sem mãos e sem norte!

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

NÃO VENDAS O PENSAMENTO

Amassa o pão que comes

No sal do teu suor:

Verás como é diferente

O seu sabor!

Não vendas o pensamento

Para comprar posição,

Não sejas vil instrumento

Escravo da opressão:

Trabalha,

Semeia,

Ensina

E ama!

Na terra do futuro,

Sementes de valor,

Verás crescer o trigo

Ao teu redor!

Trabalha…

Na tua dignidade,

A força de ser homem,

Verás como os abutres

Não te comem!

Trabalha…

A construir na paz,

No amor e na verdade,

Assim conquistarás

A Liberdade!

Trabalha…

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

CANÇÃO DA MULATINHA

Ouvi falar da cidade

Com ruas grandes e belas,

Eu tinha uma cabana

Sem portas e sem janelas.

Sou pobre

Deixei os filhos pra lá do mar,

Só trouxe

Sonhos de esperança

P´ ra lhes levar!

Me chamam mulatinha

E não tenho amor!

Ouvi falar da cidade

Com meninos engraçados

E os meus já nem têm pão

E morrem de frio, coitados.

Sou pobre...

Ouvi falar da cidade

Mas nada cá encontrei:

Se os outros são tão felizes

Porque é que eu não serei?

Sou pobre...

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

PODEM PENSAR QUE EU MORRO

Se eu canto a Paz na Terra

Se eu canto a Paz na Terra

Virão os senhores da guerra

Para me matar...

Se eu canto o pão mendigo

Se eu canto o pão mendigo

Virão os senhores do trigo

Para me ceifar!

Podem pensar que eu morro

Podem pensar que eu morro:

Mas a Voz da Verdade

Ninguém a pode matar!

Ninguém a pode matar!

Ninguém a pode matar!

Se eu canto amor fraterno

Se eu canto amor fraterno

Virão os senhores do inferno

Para me queimar...

Podem pensar que eu morro…

Se eu canto a Liberdade

Se eu canto a Liberdade

Virão os senhores da “grade”

Para me encerrar!

Podem pensar que eu morro…

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

OS MORCEGOS

Os morcegos bebem tudo

Bebem tudo os morcegos:

É a noite a sua cor...

Bebem tudo os morcegos!...

Tiraram-lhes os seus olhos

Mas deixaram-lhes a noite,

Tiraram-lhes as suas garras

Mas deixaram-lhes a força.

Os morcegos bebem tudo…

Cortaram-lhes as suas asas

Mas deixaram-nos voar,

Cortaram-lhas as suas penas

Mas deixaram-nos viver.

Os morcegos bebem tudo…

Feriram-lhes o seu peito

Mas deixaram-lhes o ódio,

Feriram-lhes a justiça

Mas deixaram-lhes o fogo.

Os morcegos bebem tudo…

Alertai-vos dos morcegos

Que vos rondam pela noite,

Pretendem beber-vos tudo

Para que não tenhais luz!

Os morcegos bebem tudo…

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

MEU PAÍS LIBERTO

Meu País liberto

Pela madrugada

Na força do povo

Há muito sonhada.

Meu país guardado

No fundo da arca

Coberto do tempo

Do tempo sem marca.

Meu país cansado,

De peito fendido,

De rosto velado

E até esquecido.

Meu País liberto…

Meu país mazela,

Herança da guerra,

Nos filhos roubados

Tirados à terra.

Meu país sem rumo

Perdido na história,

De gente tristonha

Sem gosto à vitória.

Meu País liberto…

Meu país gerado

E feito criança

É teu o caminho

Que trilhas na ‘sprança.

Meu país gigante

Irás na aventura

Correr mil veredas

E fazer figura!

Meu País liberto…

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

PAÍS NOVO

Todos unidos,

Filhos do povo,

Vamos cantar

Pela cidade.

Construiremos

Um País novo

Com pedras vivas

De Liberdade!

Não, não vamos ficar

A cruzar os braços.

Temos de caminhar

Pelos nossos passos.

É tempo de pensar

E de descobrir

Que somos iguais.

É tempo de mostrar

Que o que já passou

Não virá jamais!

Todos unidos...

Não, não vamos fazer

Coisas por fazer:

Temos de reflectir

Que há muito pra viver.

É tempo...

Todos unidos...

Não, não queiramos lutas

Que o ódio traz:

Temos que conquistar

O direito à Paz!

É tempo...

Todos unidos...

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

HINO DO TEMPO NOVO

Venham todos pelas ruas

Pelos vales a cantar

Tragam flores e sorrisos

E não façam o sol parar.

Gente nova, gente velha,

É preciso coração.

Mãos cerradas, para a frente,

E cantando esta canção:

Guerra, não à guerra!

Morte, não à morte!

Somos povo forte

A esperança nos sustém!

Paz, sim à paz!

Pão, sim ao pão!

Vamos em união

Que não falte cá ninguém!

Foram tempos já passados,

Vamos todos construir.

Preparemos o caminho

Que o futuro vai florir.

Gente nova, gente velha,

É preciso coração.

Mãos cerradas, para a frente,

E cantando esta canção:

Guerra, não à guerra!

Morte, não à morte!

Somos povo forte

A esperança nos sustém!

Paz, sim à paz!

Pão, sim ao pão!

Vamos em união

Que não falte cá ninguém!

Frassino Machado

In MENSAGEIRO CANTANTE

*

A UM ABRIL CONFINADO

«Ao 25 de Abril de 2020»

Um 25 de Abril desfigurado

Lá p´ ras bandas de S. Bento

Faz um papel de confinado

No interior do Parlamento.

Indiferentes ao mal do país,

Que se encontra amargurado,

Lamenta-se ver tão infeliz

Um 25 de Abril desfigurado.

Diz o povo, e com plena razão,

Quando pensa no que vai dentro

Dum convento: que bela é a lição

Lá p´ ras bandas de S. Bento!

Cada membro do Parlamento,

Quer ele seja ou não deputado,

Se não tem bom comportamento

Faz um papel de confinado.

Vem para fora o que se diz,

Naquela encenação por dentro,

Mas espelha-se todo o País

No interior do Parlamento.

Mazelas atrás de mazelas

Passam por lá, como rosário,

E observa-se pelas janelas

Tudo o que lá vai de ordinário…

Já vai bem longe a dignidade

De um cenário de celebração

E agora encena-se a variedade

De rituais, do pé para a mão.

É trivial se são muitas ou poucas

As pessoas para celebrar,

Porque sempre há orelhas moucas

Que se não querem hipotecar…

Deixem-se todos de fantasias,

Quer se ame ou não o 25 de Abril,

E restaurem-se cravos e magias

Desinfestando-se aquele Covil.

É este ABRIL que lhes dá o pão,

É este ABRIL que lhes dá Liberdade,

E o papel de toda a nobre Nação

É exigir-lhes Responsabilidade.

Frassino Machado

In RODA-VIVA POESIA

*

AI ABRIL, ABRIL! – Frassino Machado

Abril, Abril, um, dois, três,

Palavras e mais palavras,

Só é mesmo bom português

Quem aceita Abril de vez

Sem ideias, feito escravas…

Sempre diferentes, mas iguais

Em todas as ocasiões,

Mas lá dizem os manuais

Uns têm menos, outros mais

E ninguém perde, nem a feijões…

Quem tem unhas toca guitarra,

Toca flauta ou castanholas,

Dia e noite é só fanfarra

E, sem energia nem garra

Não há coelhos nem cartolas.

Abril, Abril, quatro, cinco, seis,

Haja direitos, assim e assim,

Há muitos servos e alguns reis,

Que, pra dar a volta às leis,

Basta um pó per-lim-pim-pim…

Não há omeletes sem ovos

Mas todos querem mandar,

Sejam velhos, sejam novos,

Quaisquer que sejam os povos,

Basta dividir pra reinar.

Abril, Abril, sete oito, nove,

Fica-se sem chegar a dez

Pois já não há quem o prove.

Diz o rico: vai ver se chove

Ou … desanda a quatro pés!

Ter Abril é ter embaraços,

Não há dinheiro que chegue

E em todos só há dois braços,

De boa-fé ninguém dá passos

E, se dá, o diabo qu´ o carregue…

- Ai Abril, Abril sem pressa,

Letra morta à frei Tomás,

Tudo lindo quando começa

Mas, depois, perdes a cabeça:

Dás passo à frente e dois pra trás.

- Em ti já ninguém acredita,

Quem se goza é o explorador

Que não passa de parasita:

Trabalha pra sua marmita

E, tu… vais de mal a pior!

Sem Abril não há Revoluções,

Nem há cravos nem fantasia,

Há menos pão, mais ilusões

E grita-se, a plenos pulmões:

Para quando a Democracia?

Frassino Machado

In ODIRONIAS

*

BALADA DA EMIGRAÇÃO

“À Catarina Salgueiro Maia”

Do meu País eu me apartei

Ao clarear da madrugada

E nas asas do Sonho busquei

A minha vida melhorada.

Não foi fácil a decisão

E parti um pouco à deriva,

Como não sou de dizer não

Fiz uma aposta decisiva.

Meu país nunca me ajudou

A criar um projecto seguro

E logo de mim se apossou

Um receio do meu futuro.

Porém, não estava sozinha,

Eu tinha dois filhos nos braços,

E a ideia que da alma me vinha

Era livrar-me de embaraços.

Nada para mim era segredo,

Co´ a ajuda do meu companheiro

Agarrei-me ao trabalho sem medo

Esforçando-me o dia inteiro.

Lá longe, no seio da Europa

Cruzei-me com mais camaradas

E, laborando de vento-em-popa,

Ganhei vida em pequenos-nadas.

Eu fui servente em mil cafés

E, até, dama de companhia

Corri mil sítios de lés-a-lés

Em toda e qualquer serventia.

Apesar dos estudos que tinha

Não receei qualquer profissão,

Ganhar a vida é que convinha

Dedicando-me com prontidão.

Sei bem que há gente complicada,

Sempre embrulhada em quezília,

E, como não volto a cara a nada,

É bom para mim e minha família.

Apesar de eu não ser rica

Vou ganhando o que preciso,

Ajudo os outros, e bem me fica

Sem que me perca em prejuízo.

Se volto um dia ao meu país?

Olhem, talvez sim, talvez não,

Cá dentro de mim algo me diz

Que um dia virá outra paixão!

Eu sinto-me qual andorinha

Que volta sempre com saudade,

Quero seguir minha estrelinha

Sempre ao calor da liberdade!

Frassino Machado

In OS FILHOS DA ESPERANÇA

*

O CAPITÃO INJUSTIÇADO

«À memória de Salgueiro Maia»

Ó tu, digníssimo e nobre Capitão,

Salgueiro Maia, tens nome de história

Na arca firme da popular memória

E na alma dos filhos da Nação.

Se fosse vivo o poeta de eleição,

Em testemunho da lídima vitória,

Uma Epopeia cantaria em glória

Aos altos feitos da tua decisão.

A ti te deve a Pátria justos louros,

P´ lo teu ideal e por tua valentia

Que abriu as sendas da democracia

Cimentando valores imorredouros…

Mas, ó destino trágico e notório,

Foram por sorte os tristes maiorais

Que da alma negra exibem os sinais,

Que maltrataram o teu sonho inglório…

Voa, ó Capitão, mas sem galardão,

Como o poeta e o Cônsul, eis teu fado,

Voa, sim, como um herói injustiçado,

Quem sabe, até ao céu de um Panteão!

Frassino Machado

In A MUSA VIAJANTE

*

QUO VADIS ABRIL?

Depois de tantas ruins encruzilhadas

Depois de um louco sonho primaveril

Depois das duras lutas incendiadas

Onde estás tu, atque quo vadis Abril?

Depois das vãs promessas apostadas

Depois de um juramento tão viril

Depois de tantas leis espezinhadas

Onde estás tu, atque quo vadis Abril?

Tantos sonhos testados e favores,

Tantas fianças e paixões sentidas

Pra tudo se perder em desamores…

Já foram várias décadas vencidas,

Ao sabor de marés multicolores

Com brisa de feições desvanecidas…

Ó Abril, quem te viu e quem te vê,

Ó Lusa Pátria, quem fartou de horrores

A tua Alma, que nem sabe PORQUÊ?

Frassino Machado

In NOVO MONTE ALVERNE

*

OS CRAVOS DE ABRIL – Frassino Machado

«À Conceição Oliveira»

Coitados dos cravos, Conceição,

Eles são mesmo inocentes:

Não têm culpa desta Nação

Ter assim tão fracas gentes.

Os cravos são belas flores

Que simbolizam a bondade,

Da Revolução os mentores

Chamaram-lhes Liberdade.

Não estão “murchos nem abalados”

Nem sequer perderam vontade

Sentem-se só desprezados

E roídos pela saudade…

À sua maneira têm voz

Num desconcerto contrito

Por isso é que dentro de nós

“Respira o vigor de um grito”.

Disse o Poeta com todo o prazer

Palavras de sinceridade:

“Não hei-de morrer sem saber

Qual a cor da Liberdade”…

Foi um poeta pelo mundo

Com alma grande e viril

Que profetizou, e bem fundo,

Os loucos Cravos de Abril!

Frassino Machado

In JANELAS DA ALMA

***

25 De Abril de 2020

Frassino Machado

F I M

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 25/04/2020
Reeditado em 01/05/2020
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