Capoeira: MESTRE LUA ENTRE TAMBORES E ANGOLA!!!

MESTRE LUA ENTRE TAMBORES E ANGOLA!

Entrevista extraída da revista Capoeira - edição especial - Negro 100 por cento, ano 1 número 2, Editora Escala, internet www.escala.com.br, email, escala@escala.com.br e Gallery editores associados.

Por Haroldo Oliveira/ Fotos Marques Rebelo e Roberto Bononi.

Capoeira: Mestre Lua, de onde o senhor é?

Mestre: Sou de Salvador, na Bahia, grande Salvador. Sou Soteropolitano.

Capoeira: E como foi o começo de usa capoeiragem?

Mestre: Foi a maior loucura, porque na Bahia, naquela época, eu sou de 1950, eu nunca tinha escutado falar de capoeira, creio hoje que devido à marginalização com a capoeira. Venho de família de estivadores, doqueiros, pessoas que viram a passagem dessa época da capoeira no cais do porto, dos trapicheiros, e como fui criado por avós e mãe, creio que a galera pensava que não tinha que passar essa coisa da capoeira, tinha que estudar, aquela coisa rígida, e se tivesse condições, colocava o filho até no caratê, no judô, aquela coisa de sociedade. Eu não sacava a capoeira, já tinha ido a uns terreiros de candomblé, mas a capoeira mesmo não sabia nada. De repente eu ouço um bate papo de final de semana dos parentes, aquelas coisas que acontecem quando todos se reúnem, quando junta todo mundo no domingo pra pegar feijoada na casa velha; então, ouvi eles falarem que rolou o maior pau com a polícia... era um cara só contra essa escolta e ele detonou todo mundo. Aí um outro falou: “Ah! mas o cara era capoeira também né? Aí, ficou aquele papo de que o cara era capoeira, era meio camuflado, assim.

Nessa época chegou a televisão na Bahia; pô, a televisão era a maior velocidade, e quando pintou a primeira televisão em casa, tinha uma apresentação do Popó do Maculelê, Popó de Santo Amaro, aí eu vi aqueles “negão” de abadá branco, negão mesmo, retinto, batendo aquele maculelê entendeu, aí pronto, completou. Mas até aí eu ainda vivia com a família, garotão, estudava entendeu? Então, eu fui trabalhar numa firma, saía às cinco horas e tinha a possibilidade de ir pro centro, e um dia, passeando no centro histórico, encontrei a Academia de Capoeira do Mestre Pastinha, e foi onde eu passei primeiro. Fui lá assistir a capoeira, pesquisando mesmo a onda, e via capoeira angola. No Pastinha eu vi aquela capoeira toda malandreada, em outro andamento em relação ao que eu pensava de capoeira, então, não fez muito minha cabeça, continuei na viagem. Aí, lá em cima, que também era a zona pesada, o baixo meretrício, era o centro de Capoeira Física Regional, toda uma história. De repente, vejo: Centro Cívico, Capoeira Regional de Mestre Bimba, digo: “Pô, vou ver essa capoeira né? Chega lá, o bicho tá pegando, os caras da época mandando ver.

Me matriculei e colei um tempo, fui conhecendo amigos de muito tempo, de um bairro, de outro, até mesmo do meu, mas ninguém dizia que era capoeira, fazia capoeira ali na moita. Até que um dia conheci umas figuras, alunos do Mestre Canjiquinha, e os caras: “vamos lá no Canjiquinha, também é legal, a capoeira lá é “em cima” e “em baixo”, porque até então era uma coisa só regional, á Canjiquinha tinha outra filosofia, mais capoeira de rua, tipo assim, “como tiver na hora, salve-se quem puder”, ali você vai improvisar. Fiquei um tempo no Canjiquinha, fiquei sendo seu aluno mesmo. Estou dando uma volta por cima no que aconteceu em Bimba comigo, é duro falar isso assim, mas rolava uma certa discriminação na academia, tinha uma certa separação, os caras formados eram todos doutores; então, rolou uma parada comigo desagradável, e eu atribuo isso, assim, a essa coisa do negro, de repente, mesmo ele sendo um Mestre da família, ele vai tratar bem, vai paparicar o aluno branquinho entendeu mano?

Capoeira: E isso dentro da academia de Mestre Bimba, havia essa hierarquia?

Mestre: É, existia. Teve uma apresentação para uma autoridade, secretário de segurança pública, da cultura ou da educação, não lembro bem, e eu estava de calça jeans, então eu fui jogar e tinha esquecido que eu tinha um canivete no bolso, porque eu sou e sempre fui artesão e tinha esse canivete que usava pras minhas coisas. Quando dei um “Au” na apresentação, esse canivete caiu, ai ele achou isso um absurdo, me expulsou, entendeu velho? Aí cara, tentei de todo jeito, fiquei cozinhando o Mestre, falando na cabeça dele, mas ele foi duro e disse que não voltava atrás e que eu estava expulso. Foi barra, fiquei sem amigo, aquela onda toda e eu fiquei de bobeira. Foi aí que conheci a galera de Canjiquinha, e um cara chamado “Madame Geni” me disse: “Pô cara, vamos lá que é o maior barato. Aí começamos a fazer umas rodas no bairro mesmo, nas ruas, e dias de segundas, quartas e sextas nos íamos pro Canjiquinha que é no Belvedere. Porém, nessa época era muito difícil, os mestres não queriam pegar aluno de outros mestres, não rolava essa coisa, sabe, você começou com fulano, você vai ficar com ele, mas ai creio que rolou uma identificação também, porque o Mestre Canjiquinha era um cara super popular, totalmente ao contrário do Mestre Bimba, que era Mestre Canjiquinha já era um cara de rua, do teatro, moleque, circo, capoeira, versátil, andava com o berimbau para todo lado. Muita coisa que eu sou hoje, que faço, introduzo o teatro na capoeira, as brincadeiras, a política, o circo, se não conhecesse Canjiquinha, essa coisa mais Maculelê, dança, musicalidade, eu não faria.

Capoeira: Mestre, onde nasceu a capoeira?

Mestre: (Cai na risada, como é de seu jeito bastante matreiro, e reivindica a participação do capoeirista Pedreiro, que é angoleiro de rua em Salvador). Pedreiro, vou querer Pedreiro, meu brother, capoeira angola e de rua, vamos mano, vamos dar essa resposta aqui na nossa, a capoeira vem de onde?

Capoeira Pedreiro: A Capoeira é de origem Africana, mas nasceu aqui no Brasil, na Bahia, no Recôncavo Baiano, Santo Amaro, Cachoeira, Ilha de Maré, essa região.

Mestre: Agora por exemplo, a gente tá muito ligado, ontem mesmo estivemos num show onde havia uma exposição sobre Ruanda, e a gente vendo Ruanda, Luanda e alguns outros lugares, vemos que é muito triste, e pesquisando, vemos que na capoeira tem que ser “doutor”, no sentido da sabedoria, tem que estudar, pesquisar muito. Estava vendo em algumas fitas de danças Africanas, que tem muito movimento parecido com capoeira, como o “corta capim”, movimentos muito parecidos com armadas, rabo de arraia solto. Creio que na África não chegou essa luta dança chamada capoeira, no sentido de defesa e ataque. Vejo muitos solos de dançarinos, mas não vejo essa coisa do combate dois a dois, isso acho que é do negro brasileiro, e isso nasceu do negro fugindo. O cara escapava da senzala e atrás dele vinham homens armados, cavalos, cachorros, e era a maior barra pesada, o cara tinha que ser bom pra poder vazar. A barra da escravidão aqui foi pesada mesmo. Se você for pra Martinica, vai ver uma prática chamada “Ladia” que é muito louca, tem uma onda africana forte, e tem uma onda da malandragem, de cais do porto. Acho que essa coisa é mesmo nossa do Recôncavo, de Pernambuco, de onde o escravo teve mesmo que lutar para se libertar, montar seu Quilombo, e tal, eles foram iluminados, você vê uma cara como Mestre Pastinha, o cara delirava falando de capoeira, ele se amarrava mesmo, eles todos, Mestre Caiçara, um filósofo da capoeira, que Deus os tenha em bom lugar. Fico vendo assim a característica de jogo, por exemplo o finado Dois de Ouro, formas de África, de urbanismo, da polícia de olho no cara, de gueto, e o canto pra envolver uma figura como essa, não é qualquer canto, um ritmo, não é qualquer ritmo, você assiste à Capoeira Angola e fica de bobeira, porque é uma religião mesmo, um momento onde a pessoa está ali em transe.

Capoeira: Sua capoeira se fundamenta na Angola?

Mestre Lua: O fundamento é evidente que é Angola, e é evidente que a capoeira Angola foi muito discriminada e o fundamento é Angola mesmo. Mestre Bimba, com todo respeito, criou a capoeira Regional extraída da capoeira Angola, introduziu outras lutas, mas a base mesmo é Angola. Quero dizer simplificadamente, que ela é eficiente. A Regional tem sequência de golpes, repetições, como no Karatê, onde você repete os golpes, mas essa repetição te deixa mecânico, e pra perder essa postura depois fica difícil, e isso é o que o angoleiro já traz de essência, essa coisa nata, a não massificação dos movimentos, entendeu?...

Capoeira: E como foi sua experiência no exterior?

Mestre Lua: Olha, isso foi uma coisa vindo na vida, na tora. Hoje mudou muito, a galera sai pra Europa com trabalho certos, direcionados, mas antes tinha que ir na luta, na aventura, criar uma viagem, um clima, e isso tudo dentro de uma outra cultura, você tem que pegar o discípulo ensinar berimbau, canto, e tudo mais, então foi difícil, mas vejo que foi um passo muito grande para a capoeira estar como está na Europa, graças a essas pessoas que foram no início da luta. Fiquei um tempo lá e criei um grupo chamado “Okê Arou”, um grupo que já na época trazia toda uma preocupação com as raízes, descobrir, por exemplo, aquele misticismo de Mestre Caiçara, saber que o cara tem uma onda ali, e você querer ver, descobrir aquela coisa de Oxóssi, de guerreiro.

Capoeira: E a capoeira e o negro?

Mestre Lua: Rapaz, a capoeira e o negro atualmente são um motivo de muita discussão. A capoeira abriu o espaço e chegou ao nível universitário, mas você vai ver lá dentro, e não tem quase negão nenhum na universidade, e esse papo é que nos estávamos conversando, a coisa do embranquecimento da cultura. Mas a capoeira é uma coisa que é de todo mundo, ele veio do negro, nós ainda pegamos muitos negros com características de angoleiro, de malandragem, porém poucos, porque nós fomos muito condicionados, doutrinados no militarismo fazer aquela coisa ali na linha, tudo certinho e muitos de nós nos perdemos.

O negro hoje em dia tá “dançando” e, se ele não se ligar na sua cultura vai perder a essência, vai tirando, daqui a pouco você vai ver dois, três que tem uma onda ainda. Essas louras que eles botam, independente de serem louras, são gente, tudo bem, mas os caras falarem que é isso aí que vende, e é o padrão que nós temos na nossa sociedade, na nossa televisão, em tudo, então a cultura tá dançando, há poucos que são remanescentes. Os negros tem que ser maior conscientes e correr dentro também, competir com os brancos, ir pra universidade, tem que correr atrás.

Capoeira: E as mulheres na capoeira?

Mestre Lua: É até um fenômeno, porque, na capoeira, não existia mulher na capoeira, tão discriminatória com a mulher, com as crianças, nossos filhos, podendo participar mais. Quanto tempo, gerações e gerações não curtiram isso. Eu quando fui saber de capoeira tinha 14, 15 anos, e que descoberta eu fiz, nunca imaginei ir à Europa, à África. Eu era um cara de um bairro simples, pobre, mas a capoeira me proporcionou essa viagem e eu sou grato por isso, independente de ter grana ou não ter, isso é uma onda boa.

Capoeira: E qual seria sua mensagem aos capoeiristas?

Mestre Lua: Olha velho, fazer um resgate legal, que está difícil, resgatar mesmo a essência da coisa, porque o que passou, passou, mas assim viajando ir pra Bahia, ir pro Recôncavo, ir pra lugares onde tiveram nomes, por exemplo as pessoas ouvem falar de “Besouro Preto”, saber quem foi ele, vai na Ilha de Maré, vai em Mina Gerais, vai no Maranhão, lá tem uma figuras de capoeira super interessantes que na história da capoeira não se falava muito em Maranhão, Rio de Janeiro também se destaca muito na capoeira, a mensagem é essa galera, buscar fundamentos, ser humilde, ser pacífico e refletir nas atitudes, refletir n que é a capoeira. É como fala o Mestre Camisa: “deixar no jogo, o que é do jogo”, não levar pra vida o que é do jogo.

Link com fotos:

Homenagem ao meu Professor Lua Rasta!

http://professorleiteiro.blogspot.com/search?q=lua+rasta