Quem foi Fernando Pessoa?
Quem foi Fernando Pessoa?
Considerado um dos maiores poetas da língua
portuguesa, Fernando António Nogueira Pessôa, ou
simplesmente "Fernando Pessoa", como preferia assinar,
nasceu em 1888 em Lisboa, Portugal, e faleceu 1935, nessa mesma cidade.
Quando de sua morte,
quase a totalidade de
sua obra ainda
permanecia inédita:
apenas alguns de
seus escritos tinham
sido publicados em
revistas, jornais etc..
O poeta, que escrevia
também em outros
idiomas (como inglês
e francês), em 1934
publicou seu único livro
em língua portuguesa,
intitulado Mensagem, o qual,
grosso modo, versa a respeito
da história de Portugal e do
povo português, de um ponto
de vista bastante particular
e diferenciado, por exemplo, de
Os lusíadas de Luís de Camões.
Extremamente inteligente e talentoso, Pessoa inovou a
poesia, extrapolando as características estéticas do
período Modernista, no qual estava inserido.
Cada vez mais leitores têm descoberto o valor do escritor
e do pensador Fernando Pessoa, homem que teve a
capacidade, entre outras coisas, de "teatralizar"
poeticamente, por meio de estilos de escrita diferenciados,
múltiplas facetas interiores do ser humano, indo muito
além de pseudônimos, para criar heterônimos, como
representantes contundentes dos "eus" que habitam
dentro de todos nós.
Daí uma das razões da atualidade de seus textos,
bastante adequados às realidades íntimas da alma,
problematizadas nos contextos do mundo de hoje.
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Poemas
37º poema do livro Mensagem (P37)
Primeiro
O BANDARRA
Sonhava, anonymo e disperso,
O Imperio por Deus mesmo visto,
Confuso como o Universo
E plebeu como Jesus Christo
Não foi nem santo nem heroe,
Mas Deus sagrou com Seu signal
Este, cujo coração foi
Não portuguez mas Portugal.
38º poema do livro Mensagem (P38)
Segundo
ANTONIO VIEIRA
O céu strella o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e à glória tem,
Imperador da lingua portuguesa,
Foi-nos um céu tambem.
No immenso espaço seu de meditar,
Constellado de fórma e de visão,
Surge, prenuncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.
Mas não, não é luar: é luz e ethereo.
É um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Imperio
Doiro as margens do Tejo.
39º poema do livro Mensagem (P39)
Terceiro
Screvo meu livro à beira-magua.
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver.
Só te sentir e te pensar
Meus dias vacuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?
Quando virás a ser o Christo
De a quem morreu o falso Deus,
E a dispertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?
Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras portuguez,
Tornar-me mais que o sopro incerto
De um grande anceio que Deus fez?
Ah, quando quererás, voltando,
Fazer minha esperança amor?
Da nevoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?
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Trecho da conclusão
Em seu Sonetilho do Falso Fernando Pessoa, o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade, com muita propriedade, inicia seu texto com os seguintes versos: "Onde nasci, morri. / Onde morri, existo."(1); ora, percebe-se aí a gênese da postura de Fernando Pessoa perante sua existência, extremamente influenciado pelas leituras que fez de escritos de Antônio Vieira, E. Allan Poe, W. Shakespeare etc.. A problemática da existência é tradicional no campo da Literatura, e não é no tema em si que está qualquer diferencial da obra pessoana. Seu apelo é mais profundo, num confronto com o mundo moderno, em que a reprodução em série (inclusive da imagem) torna-se comum. Pessoa viveu num momento em que a humanidade passava por crises sucessivas e se ajustava, preparando-se para os novos artefatos que inventava, ainda ingênua para os hábitos da vida moderna: é um momento de superações rápidas do passado, sendo que, para um homem de visão futurista, como ele, as tradições não deveriam ser perdidas em razão dos movimentos abruptos da modernidade. Nesse sentido, Mensagem procura preservar sabedorias das doutrinas secretas, mantendo-as ainda com essa característica de obscuridade - a poesia é um ótimo veículo para isso, uma vez que, sendo de grande qualidade, possibilita múltiplas interpretações -, mas, acima de tudo, vivas num tempo em que o homem voava, literalmente, pela primeira vez , em que a humanidade começava a desvendar a mente humana, em que a imagem do homem poderia começar a ser reproduzida em proporções absurdas, de modo estático, ou em movimento, em que o mundo conhecia uma guerra devastadora com proporções e conseqüências como nunca se vira até então, em que os conceitos estéticos da arte se alteravam substancialmente a uma velocidade inconcebível até aquele instante, e assim por diante. Nas duas primeiras décadas do século XX, Pessoa acompanhou e viveu de perto esse processo: preocupava-se, enquanto pensador e escritor, com a proposta, implícita ou explícita, de novos conceitos artísticos que sua privilegiada inteligência concebia - assim ocorreu, por exemplo, com as notas que escreveu como C. Pacheco, intituladas Para além Doutro Oceano, que, de certo modo, anteciparam em quase seis anos o Surrealismo (2) -, porém, na década de 1930, o escritor, num intenso processo intimista e de isolamento social, dedica-se a ensinar o caminho não mais de uma estética apenas, mas de um modo de vida, submissa a uma força maior, a força de Deus, e voltada para as realizações que permitam a ascensão espiritual. Nesse sentido, toda a cultura hermética torna-se matéria-prima para a construção de Mensagem, conferindo-lhe o status de obra doutrinária com pretensões sacras. O livro traz um discurso de conteúdo universal, pois ensina que é preciso descer, para, realmente, ascender, seja na vida pessoal, seja na história de um império, e assim por diante. Portanto, é por meio da reflexão do homem inserido na realidade moderna e naquilo que gerará a progressão dela que Pessoa desenvolve os problemas existenciais. Podemos dizer que é nessa perspectiva que se dá a atualidade de seus escritos à luz do século XXI: a opressão em que vivem os homens do mundo de hoje lhes gera a angústia, a solidão etc., estados de espírito vividos e pensados profundamente por Pessoa - eis o poeta como aquele que é capaz de exprimir verbalmente aquilo que gostaríamos de dizer e não conseguimos; eis o profeta-racional-místico que conseguiu antecipar questionamentos interiores e exteriores que ainda fariam parte das perturbações de muitas pessoas posteriores a ele.
(1) ANDRADE, Carlos Drummond. Claro enigma. 2a edição, Rio de Janeiro, Record, 1991, p. 24.
(2) SIMÕES, João. G.. Vida e obra de Fernando Pessoa - história duma geração. 6a edição, Lisboa, Dom Quixote, 1991, p. 420-422.
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Tese de Doutoramento em
Estudos Comparados de Literaturas de
Língua Portuguesa de Martins Ferreira
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Dep.to de Letras Clássicas e Vernáculas - Ano 2000