Apontamentos de Lauro Lage: Jésus de Deus Souza
Um dia em Anápolis, no ano de 1999, recebi de minhas primas maternas, Silma e Beth Santiago Lage, esse livro, autografado pelo Autor, Lauro Lage, tio paterno delas. Sempre ouvi falar dos irmãos do meu tio torto, Silviano Lage, casado com a irmã de minha mãe, Lourdes, mas poucas vezes os encontrei. Tinha-os sempre em muito boa conta, já que minha mãe os conhecia e gostava muito de todos os eles.
Seguem a dedicatória e os dados bibliográficos: "para o William Jaques Pereira, uma demonstração de amizade de Lauro Lage, Anápolis, 14 de julho de 1999." Título do livro: Apontamentos: uma vida, Autor Lauro Lage, Editora Kelps - Goiânia, 1998.
Entretido com sucessivas mudanças de cidade e país relacionadas com o meu trabalho, nunca tive tempo de ler o livro de uma vez. Lia trechos e logo aparecia nova viagem, nova mudança, nova embalagem, nova casa ou apartamento e o livro, acompanhando pacientemente o viajante, aguardava a hora de ser convenientemente degustado. Essa hora chegou neste ano da graça de 2019. E, ao invés de tentar separar o que já tinha lido do que não tinha, preferi começar do princípio, aliás, procedimento nada original: teria que ter sido sempre assim.
O livro é uma viagem afetiva por Minas Gerais e Goiás desde o começo do Sec. XX, passando pela Primeira Guerra Mundial e suas repercussões no interior mineiro. Nascido em Pitangui, em 1916, Lauro Lage mudou-se para Goiás nos anos 40, onde se casou com Eunice Bastos, de Goiás Velho, e constituiu família. Lauro fala muito de nossa terra, a Sétima Vila do Ouro, a querida Pitangui. Conta “causos” ali ocorridos e neles cita muitos membros de famílias conhecidas, parentes inclusive. Dentre esses, extraio aqui uma referência a meu tio-torto, Jésus de Deus Souza, ainda menino, na página 114, último parágrafo. Vejam que deliciosas recordações, que, sei, muitos de nossa faixa etária também experimentaram quando crianças:
“... Evoluindo com a meninada, fizemos uma nova amizade que dinamizou muito nossos hábitos. Foi com Jésus de Deus. Era um meninão gordo, muito engraçado. Seu pai e seus irmãos eram músicos. O Jésus também aprendeu a tocar pistom, isto já em outros tempos, quando, também, se tornou bancário. Passando a participar de nossos brinquedos, sugeriu que devíamos formar um circo. Aceitamos a ideia e fomos à frente. O circo seria no quintal de sua casa, seria fechado dentro do possível e para que isso se desse teríamos de levar de casa algum lençol velho, para ser preso a galhos de árvore, fechando a vista. Cobrava-se, não sei quanto nem como. Até pais da gente iam assistir.
No dia de espetáculos, o Jésus conseguia, não sei como, um jumento. Nele, com o rosto pintado e virado para o rabo, montávamos e anunciávamos, muito compenetrados, o espetáculo. A não ser montar no jumento como palhaço, não sei mais o que eu fazia. Montado, a gente ficava acompanhado de muitos meninos e gritava: “E o palhaço o que é?” A meninada respondia: “É ladrão de muié? “...”
Que diferença do mundo das crianças de hoje, uma constatação. E uma confissão: Arrependo-me de não ter lido integralmente o livro antes do falecimento do Autor. Vejo agora o quanto teríamos para conversar!