Sem Chancha...?

O José Lopes entregou pacificamente a alma ao Criador já bem entrado na nona década de sua existência. Em seu estertor terá ouvido os clarins da virada do ano e o apregoar de uma nova era para o Brasil. Segue a trilha de uma longa irmandade, em que teve mais próxima a companhia das irmãs Zulma e Delba, também longevas que deixaram a sua marca indelével nos educandários e nos corações de gerações de cidadãos desta mais que tricentenária Velha Serrana.

Vizinho e comungando raízes ancestrais comuns com a família do José, cujos pais cheguei a conhecer, desde que nos mudamos de almas e sem bagagens do Brumado para Pitangui, eu não poderia deixar de manifestar-lhe o meu apreço, traduzindo o modesto mas profundo, sentimento de meus familiares. Há exatos 3 anos e dois dias recebi-o aqui, na Doutor Nonô Cançado - o antigo Beco-sem-Saída, nas exéquias de papai, o Luiz Velu, que velamos em casa.

O José, aliás, já nos havia visitado nas despedidas de toda a irmandade de papai. Compungido e solene, não proferiu palavra senão para responder ao nosso agradecimento pelo ato, muito embora, sabíamos todos, era mais loquaz nas suas manifestações de cumprimentos rueiros ou janeleiros sempre que abordado.

Um nosso contemporâneo, cujas lembranças são férteis e saudosas, o exímio violeiro-compositor Reinaldo, a quem tratávamos por afetuosa caçoada de Rohr, deveu esse seu apodo a uma forma de saudação do referido José que a preferia às mais populares como ôba, êpa, etc, estendendo-se em seu ôhôooo...

Havendo estudado a língua alemã e tendo no Reinaldo um germanófilo decidido, a ponto de comparar o seu estílo futebolístico ao do grande Overath - ele, cortesmente, deixava-me ser o Beckenbauer, nas nossas peladas rueiras...eu, para retribuir, dei forma alemã àquele prolongado ôhôooo do José, e o Rei passou a Rohr...E não corra ao google para saber, esse vai de graça: Rohr quer dizer cano na língua de Beethoven...

Outra passagem do José, que sempre se comprazia em higienizar, louvar e voltar a higienizar o Fusquinha 66, o modelinho, que mantinha zelosamente em sua garagem diz respeito a uma judiciosa abordagem ao mano César que pre-adolescente vinha subindo a Rio Branco, antiga Paciência, todo coberto de pó-de-tinta, que descascara e que lhe sobrara de algum sobrado, onde exercia o duro aprendizado de pintor, quando o Chancha, apelido com que o José era conhecido na intimidade, foi-lhe taxativo e premonitório:

- Quê isso rapaz? Perdendo seu tempo e sua saúde com esse negócio de pintura? Vá estudar... E ele foi e se pras paredes broxou, pra engenharia, simplesmente, desabrochou...

Vai em paz, José. Ao lado dos seus, já na graça de Deus, toma posse dessa bênção. É sua chance, Chancha...!

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 03/01/2019
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