Centenário do meu Pai

NEWTON COELHO LIMA - 100 ANOS DE SAUDADE - 28 DE JULHO DE 2018

Se vivo fosse, completaria hoje 100 anos. Meu pai muito amado, Newton Coelho Lima, o Seu Nêuton Lima, como era conhecido. Nasceu lá no Grajaú, Maranhão. 28 de julho de 1918. Um dia de domingo.

Queria ter podido voltar ao Brasil e conviver mais tempo com ele. Não deu. O velho Newton andava sofrendo muito. Queria descansar dessa vida de muitas lutas e muitas dores. Não foram, decerto, boas as imagens derradeiras que guardo dele, quando de minhas últimas férias no Rio.

Lembro que, nos piores dias, o levava à UPA de Botafogo em cadeira de rodas e depois no Hospital Rocha Maia. No dia 17 de fevereiro, terça-feira de Carnaval, na UPA de Botafogo, exausto e sofrido, achou que era hora de vestir sua fantasia de anjo maduro e ter com o Senhor, levando todas as nossas benções. Subiu ao Carnaval Eterno e ficou lá esperando a entrada na avenida de sua Colombina, que lá chegaria três anos depois. Eu já estava de volta ao batente em Belgrado.

No mais, só deixou saudades e belas recordações.

Bravo guerreiro, hoje no seu repouso. Tocou boiada, bateu couro pra fazer alpercata boa pra correr o agreste. Ouviu falar no garimpo de cristal de rocha pros lados do Pium. Foi lá conferir. Pá e picareta na mão, escavou catra promissora de quartzo límpido e piezoelétrico. Faiscando de picareta em punho, um dia Newton garimpou esta pedra muito preciosa por quem se apaixonou e trouxe do Maranhão. Garantiu teto de palha, arroz e feijão,carne seca e frito, extrato cheiroso, espelho e vestido de chita pra ela, sua amada Davina, moça branca danada de vaidosa, mãe de Dante e Eliud. Luis, que seria o primogênito, teve breve vida extra-uterina e não iria conhecer o pai que Newton seria. Não teve tempo de saber o que perdeu.

Um dia, um cabra safado tocaiou Papai na estrada e meteu-lhe um balaço no quadril pra roubar-lhe a grana da garimpagem que ele levava no alforje do seu cavalo pra depositar no banco. O cabra naturalmente não sabia com quem tinha se metido. Seu Nêuton Lima sobreviveu e a família dos Coelho Lima se armou até os dentes pra caçar o vagabundo pelo sertão. Não demorou muito, né?

A partir daí, Newton quis voar mais alto. Não queria mais ser garimpeiro, mãos escalavradas, sempre atentas ao 38 na cintura, que no garimpo, seu moço, a vida vira morte num piscar de olhos. Não era decerto a vida que sonhara pra a mulher e pra aqueles duas criaturinhas.

Ne sutor ultra crepidam.

Largou de mão os apetrechos do garimpo e mudou-se da mala pequena e cuia grande pra capital do Brasil, pra essa utopia permanente, sua Pasargadazinha particular chamada Rio. O negócio era vender o cristal pros gringos. Exportação, empreitada de cachorro grande. Travessia braba. Passo mais longo que as canelas. It is a jungle out there, my friend. Talvez pior que o faroeste do garimpo. O coqueiro era alto e teve grande tombo do coco.

Mas batalhou como sempre. Ajudou os seus parentes, trouxe muita gente pro Rio. Lembro que no auge de sua viagem utópica no nosso apartamento no 10 andar do Edifício Malheiros, rua Senador Vergueiro 50, morava uma família de mais de dez pessoas. Aos dois meninos conseguiu dar educação.

Missão cumprida. Foi homem, marido, pai e amigo.

Que o Senhor o tenha em sua bondosa guarda no día de hoje.