Didi Folha Seca
Não conheci muitas celebridades de perto, mas a questão, convenhamos, não é quantidade e sim qualidade. Posso dizer que a única pessoa famosa a esse ponto foi o famoso Didi Folha Seca, Waldir Pereira, jogador do Botafogo, do Real Madri e da seleção brasileira, pela qual foi bicampeão nas copas de 1958 e 1962. Depois, em 1970, assumiu o cargo de treinador da seleção peruana, com a qual chegou a uma boa colocação naquela Copa do Mundo. Seu apelido de Folha Seca nasceu da maneira original com que batia faltas com barreira, fazendo com que a bola fizesse um desvio brusco que enganava inapelavelmente a maioria dos goleiros.
Depois que começou sua carreira de treinador, passou por vários clubes e seleções até ir em 1975 treinar o Al-Ahli, de Jeddah, Arábia Saudita. Nessa época, trabalhando na Embaixada do Brasil naquele país, tive o privilégio de conhecer pessoalmente um verdadeiro gentleman e privar de sua intimidade. Era muito atencioso com as crianças. Com meu filho Iúri, era especialmente carinhoso: chamava-o de Marinho Chagas e batia bola com ele, que tinha uns dois anos. Iúri era espigado e tinha cabelos louros, compridos e bem lisos, que chamavam a atenção, como aquele também famoso lateral da seleção brasileira. O gentleman, de voz pausada, andar elegante e sempre muito bem vestido, mesmerizava o mundo feminino, e, por onde passava, as atenções do então “sexo frágil” deixavam um rastro de ciúme no coração da esposa Guiomar. Fatos de domínio público.
Passei a frequentar sua casa, onde passávamos horas consumindo um uísque que parecia interminável. Conversava-se de tudo, mas seu assunto preferido era recordar fatos de sua carreira como jogador. O tema me interessava, porque meu pai tinha sido assinante do jornal “Diário Carioca” e eu o lia frequentemente, principalmente as páginas de futebol. E Didi focava sempre no Botafogo, celeiro de craques para a seleção brasileira, recordando fatos que aconteceram na antiga Rua General Severiano, onde se situava, então, o estádio do Glorioso da Estrela Solitária.
Tranquilo, conversava em voz baixa, pausada, bebericando seu uísque. De vez em quando, parece que se perdia e congelava o olhar em algum lugar ou rosto do passado. De repente, balançava a cabeça, espantava o passado e voltava ao presente, retornando ao conviva mineiro que o escutava com a admiração dos jovens pelas figuras emblemáticas.
Lá se vão muitos anos. Depois da passagem pelo Al-Ahli, ainda marcamos encontros que nunca se concretizavam, porque tanto um quanto o outro viajava muito por causa da profissão. Lembro que sua filha Rebeca também participava das conversas quando ia a Jeddah, porque, morando na Suíça, também tinha pouco tempo. Havia a filha menor, de cujo nome não lembro, e um sobrinho de Guiomar que passaram uma temporada na Arábia Saudita e alegravam a casa.
Participei da assinatura de seu contrato com o Al-Ahli, atuando informalmente como tradutor do craque, e disso resultou uma foto que guardo até hoje. No dia da assinatura, o príncipe dono do clube – ou presidente, sei lá – patrocinou um carneiro assado recheado de arroz e outras iguarias. A única restrição, a meu ver, era que se comia com as mãos enfiadas nos buracos do lombo do animal. Diferenças culturais, às vezes, são difíceis de assimilar. É preciso curiosidade, principalmente no que tange a culinária. Sobrevivi.
O restante de sua história, depois dessa época até o seu falecimento em 2001, com 71 anos de idade, está no Google. Tive, felizmente, a oportunidade de admirar o jogador famoso, nos primórdios das transmissões de futebol pela Rede Tupi do Rio de Janeiro, e também a pessoa encantadora que era. Requiescat in pace.