Maria Terezinha de Jesus
Mamãe era Maria Terezinha de Jesus, de pia, quando nasceu em 1929. Depois, no casamento, em 1949, Maria Terezinha Santiago Pereira. O escrivão ofereceu várias estirpes, todas à disposição: Barbosa, Rodrigues, Santiago, Freitas, Lemos, tudo era possível. "Escolhe, a senhora tem direito". Escolheu aqueles sobrenomes para entrar no novo estado civil, mas, por sua religiosidade, de Jesus continuou. Um sobrinho, um dia, chegou a casa e disse pra sua mãe:
- A tia Terezinha já virou santa. Pode acender uma vela pra ela.
Mas também tinha seu lado humano, terreno. Uma vez, se aborreceu tanto com Tonho, o Terrível, que lhe atirou, de longe, o seu pequeno sapato preto de salto, número 33 e o saltinho fez-lhe um vergão na cabeça. O Terrível, na época com seus seis ou sete anos, vendeu caro aquela mínima cicatriz:
- Mamãe me matou, mamãe me matou...
Abriu o bué, saiu gritando e correndo pela casa e quintal, sempre o Terrível, para que toda a vizinhança soubesse.
Do seu lado humano tive outra amostra, uma vez, quando esteve em Brasília visitando-me. Veio com sua prima em primeiro grau, Terezinha Tavares, também Terezinha do Zé Emídio, aquele revelador de talentos no futebol infanto-juvenil de Pitangui. No quarto de hóspedes, antes de dormir, ficaram conversando até tarde. Entre outros assuntos, lembravam-se das serestas e dos moços que vinham cantar ou oferecer músicas para elas, isso aí pelos anos 40. De repente, não passavam de duas mocinhas românticas de novo segredando e relembrando coisas de amores juvenis.
Foram muitos filhos, muitas alegrias, creio, mas também muitas e infinitas dores. O Vale de Lágrimas, como se diz na "Salve-Rainha". Primeiro, o calvário que foi a doença da Telminha, indo e vindo de Belo Horizonte, no tratamento contra um câncer, que terminou com a morte aos 4 anos e meio. Depois, a perda do Gérson, aos 21 anos, em acidente de carro, que comoveu a tanta gente. Não, nenhuma dor jamais poderá ser comparada à dor da mãe que vê o sofrimento infinito de um filho, até a sua partida, ou o do outro, que partiu de uma vez, sem se despedir.
Maria Terezinha de Jesus, de batismo, da mãozinha pequena que espantava a febre dos filhos com carinhos no rosto, a bondade e humildade infinita, a solidariedade com os necessitados, da determinação em seguir suas próprias intuições e traçar alternativas para os desorientados que a procuravam, fossem filhos, parentes ou meros conhecidos... Aliás, dos filhos ir ser uma espécie de banco, caso ganhasse na Mega: prometia e jogava. Ninguém mais iria passar falta de coisas materiais. Eram muitas virtudes dentro de uma só humanidade.
Para a descendência, quando os dias lhe foram pesando e a saúde definhava, mandou bordar o nome de cada um em toalhas de banho. Não se esqueceu dos bisnetos e incluiu nos pedidos de bordados todos os nomes das noras da época.
Deixou-nos em 2010, mas a criança que fui, até hoje, se lembra das horas em que sua mão pequenina afastava os fantasmas que povoavam a febre infantil e, nos últimos anos, a paciência com que ouvia as queixas dos filhos e netos adultos e procurava, de alguma maneira, acender uma luz de esperança ou a sugestão de um novo caminho.