O torresminho do Zaidan
João Batista Zaidan Fernandes, mais conhecido por Zaidan no Itamaraty, era uma pessoa que gostava genuinamente de conversar, no bom sentido da palavra: falava e ouvia, perguntava e respondia, dava tempo ao interlocutor e não cometia o que o amigo Aquiles Cordeiro, também do MRE, chamava de “monólogo paralelo”. Isso se dá quando a sequência das falas dos interlocutores faz sentido por si, o que significa que não houve interação, não houve, no final das contas, uma conversa. Mas isso é outro tema.
Não me lembro exatamente quando começou nosso relacionamento. Acredito que tenha sido no começo da década de 80, mas sei que aprofundamos o mero conhecimento de colegas de trabalho por causa das origens: ele era de Abaeté, eu de Pitangui, duas cidades com características bem parecidas, localizadas no Oeste mineiro. Seu sotaque e as expressõe me chamaram a atenção, e logo perguntei de onde era, confirmando a impressão de que era mesmo da minha região. Ele dizia que conhecia bem Pitangui e louvava a “marvada” e as comidas regionais, onde o torresmo exercia sobre ele um fascínio especial, merecendo, aliás, um pratinho à parte no Bandejão.
Eu, por meu lado, conhecendo pouco Abaeté, mas ligado àquela cidade pela origem de Isabel, minha avó paterna, também tinha algumas referências com que contrapor ao seu maior conhecimento de Pitangui, onde ele já tinha ido várias vezes, de passagem nas viagens de ida e volta a Belo Horizonte. Às vésperas de alguma viagem a Abaeté, saindo de Brasília, vinha sempre convidar para irmos juntos e, já em Minas, faríamos um passeio à cidade do outro, retornando pela Represa de Três Marias. A ideia me agradava, seria um passeio magnífico para quem não conhecia a passagem de balsa pela represa, o meu caso. As circunstâncias nunca o permitiram, infelizmente, porque deveria ser uma viagem bastante divertida.
Nas idas e vindas das remoções e transitórias do MRE, nos encontrávamos desde 2000, fortuitamente, porém, encontros seguidos inevitavelmente de um convite para saborear uma “branquinha” ou comer algo da terrinha, que ele sempre tinha. Sua experiência de exterior foi México, Indonésia, Argélia, Trinidad-Tobago e Honduras. Em uma de minhas passagens por Brasília, almocei uma tarde de sábado em seu apartamento, ali pela região do Sudoeste ou Octogonal, já vai longe o tempo para afirmar com certeza. Só sei que morava sozinho na época e lembrava saudosamente os filhos que estavam em Honduras. Preparou uma comida bem regional e saboreamos a “branquinha”, bem mineira, como ele dizia.
Nos últimos tempos, depois do meu retorno à SERE em 2012, passamos a nos encontrar no 8º andar. Ele trabalhava no “puxadinho” do 9º, passava por meu setor e descíamos juntos para o Bandejão. Depois, passei a outro setor e nem sempre coincidia o horário de almoço. Mas quando isso acontecia, era uma conversa divertida, cheia de informação e humor, papo demorado que sempre me colocava em bom astral, no mais das vezes compartilhado por outros de seus amigos, que eram muitos.
Um dia, sentindo falta de seus convites para o almoço, liguei na sua seção, e uma colega informou que ele estava de licença médica, tratando de um problema de garganta. Deixei recado, pedindo que me informasse número de telefone para um contato direto, quando conseguisse. A colega ficou de passar-me, mas, uns dias depois, vejo pela nossa Intratec a notícia de seu falecimento.
Apesar de não ser um amigo constante, pela própria condição de trabalho no Itamaraty, senti muito o seu falecimento. Às vezes, meio anestesiado pela rotina do trabalho, imagino-o passando para chamar-me para o almoço e, com isso, arejar os pensamentos. Era sempre uma alegria trocar ideias com ele, ainda mais se havia tempo de verdade, porque o papo não iria se encerrar de repente. A conversa passaria de política a futebol, de comida regional a acontecimentos e personagens de nossas cidades, sempre com humor e alegria. Era um cosmopolita, que não abandonava as origens, o sotaque e as lembranças de Abaeté.
Ontem, 13 de novembro, foi seu aniversário. Com certeza teria convidado para alguma coisa. Sua alegria e simplicidade eram contagiantes.
"Requiescat in pace", caro Zaidan.