Texto sobre o trabalho artístico de Marcelo Chardosim
Escrever sobre o teu trabalho é difícil, sempre. Por isso eu não posso fazer de um modo convencional, porque ele mesmo não o é. Claro, eu poderia fazer um texto frio e sintético abordando a temática do desejo homoerótico e, talvez, até, do aspecto ‘queerzante’ da tua produção. Mas não é isso, sabe (e por isso eu odeio a maioria dos textos de exposições). Teu trabalho é cheio de significados tão fortes e verdadeiros sobre ti, que me faltam palavras. Para mim, ele é sobre o mais íntimo do eu, sobre uma criança que cresce para poder, assim, permanecer criança. É sobre uma resistência purificadora, uma inocência madura. Algo misterioso que já estava lá, na infância, como um presente divino, um grande mistério que se quer desvendar, mas não se pode. Algo que apenas o adulto de agora pode dizer ‘eu sei, eu sempre soube!’ (afinal, nos ensinam que o mundo é dos adultos, infelizmente). Gosto de ver teu trabalho como uma revisita consciente a esse eu que foi e ainda é, um transformar do passado em presente e, por que não, do presente em passado. Uma tentativa de glorificar e libertar a criança que era do não poder ser. Dar a essa criança o poder de ir contra esse mundo estático que não a aceita.
Vejo teu trabalho também como uma sacralização de tudo que é rejeitado, vil, impuro, insignificante, imperceptível aos olhos menos sensíveis. É um ver beleza em palavras de baixo nível, ou um recitar Kyrie Eleison em meio às ruas mais sujas. É entregar àquele que não pode e não deve ser a dignidade de um salvador, e purifica-lo frente às violências da vida. Teu trabalho, para mim, tem a força de destruir as fronteiras do religioso, sagrado, puro e do homem-real, esse adulto-criança que não se encaixa nos moldes e por isso se rebela contra eles, esse ser que é condenado sem ser culpado. É uma resistência, uma proteção à inocência em meio à sujeira do mundo: a criança precisa ser salva. E a força desse homem-criança faz com que ele se erga sozinho nesse mundo que fecha os olhos para ele. Para mim, teu trabalho é sobre a beleza de ser e ser apenas, uma existência única, sagrada e liberta. É uma tentativa de purificar e salvar esse mundo sujo, estático e antiquado de o ser. Converter toda a dor em algo bom.
David Ceccon
(Em breve, data e local da exposição)