NO PONTO DE ÔNIBUS...
Essa é uma pequena coletânea de histórias que ouvi de uma senhora que me encontrou numa sexta-feira no ponto, enquanto eu esperava o ônibus para regressar ao lar.
A senhora em questão, além de ser muito boa de papo, aparentava ter uns oitenta anos. Seus cabelos eram todos grisalhos, usava um vestido bege com flores vermelhas; na face, além das expressões da idade, também figuravam uns óculos de armação preta. Vira e mexe ela interrompia um pedaço da história para soltar um pequeno arroto, fruto dos refluxos que aparentemente os remédios lhe causavam.
Sem mais delongas, vamos às histórias que sendo mentiras ou verdades, me fizeram ganhar o dia por ter o privilégio de poder ouvi-las.
Rafael Menali, 06/12/2013
CAPÍTULO 1 – DERRUBANDO BOI COM A UNHA
Hoje estou velha, cheia de dores pelo corpo, cicatrizes e algumas fraturas, mas nunca fui dondoca de reclamar! As mulheres de hoje em dia reclamam de barriga cheia! Só eu sei o que sofri. Conhece a expressão “derrubar boi com a unha”? Pois é... Eu tinha a técnica! E com apenas 11 anos de idade fazia isso com o bicho. Não é necessário força, apenas jeito! Com a mão esquerda você pega numa das orelhas do bicho e torce a cabeça dele! Depois você enfia dois dedos da mão direita no focinho do danado e ele tomba!!! Êta bem!!! Eu é que sei como se fazia isso!!!
CAPÍTULO 2 – A NOVELA QUE JÁ ESCREVI
Eu vivia no mato e trabalhava desde pequena! Matava umas seis cobras por dia! Não tinha moleza! Apesar disso, sempre amei escrever! Eu subia nas árvores para poder estudar, que era pra não correr o risco de nenhum bicho me atacar em algum momento de distração! E eu escrevia muito! Era um verso por minuto! Consegue escrever um verso por minuto, bem? E escrevia de tudo! Poema, trova, carta e até novela!
Ah! Mas que na minha época não eram todas as pessoas que sabiam escrever não! Certa feita, um inquilino meu se apaixonou e queria conquistar uma mulher do interior... Pediu que eu escrevesse uma carta... como o cabra era gente boa, eu escrevi... E não é que por conta disso ele tá casado até hoje?! Eu é que não dei sorte! Meu marido era um leão! Não me deixava fazer nada! Muito menos publicar as minhas histórias!!!
***
Ah! Mas teve uma vez que eu escrevi uma novela tão bonita! Era uma história de amor muito bonita! Não desses romances melados, sabe? Era uma história muito boa mesmo! Ah! Mas dessa história eu tenho história pra contar!!!
Pois você acredita que depois de escrever essa minha história a mão eu procurei um lugar para poder batê-la à máquina... Naquela época não tinha essas geringonças que imprimem rápido assim... Eu tinha feito curso de datilografia, mas não tinha como digitar eu mesma, pois com o dinheiro que tinha, ou pagava o aluguel ou comprava a máquina de escrever!
Mas a história era tão bonita que eu levei num desses escritórios que digitavam e encadernavam... Queria pelo menos poder guardar aquela história.
E a moça do escritório pediu para eu voltar um mês depois, vai vendo essa...
Um mês depois eu voltei e ela me disse que não ia dar pra digitar minha novela porque tinha muito trabalho na fila já! Ah! Mas eu fiquei muito nervosa... Peguei a minha novela manuscrita e vim embora!!
Alguns meses depois disso daí... meu filhote que acompanha minhas belas histórias estava na frente da televisão e começou a me chamar como louco:
- Mãe, corre aqui!!!
- O que é menino?
- Mãe, olha lá... Não é a sua história que tá passando na tevê?
E não é que o nanico estava certo? Ah! Mas minha raiva foi tanta que eu deixei o gurizinho com o pai e sai rumo ao escritório para tirar satisfação do ocorrido!!!
Quando cheguei lá, o escritório tinha fechado e nem havia mais vestígio dos antigos inquilinos!!! Veja se pode, bem... Tanto trabalho, tantas tardes escrevendo aquela história tão bonita que virou novela de televisão! E não me pagaram nem um refrigerante! Ah! Imagina minha raiva!!! Fiquei tão nervosa que quando cheguei em casa rasguei aquela porcaria daquela história e botei fogo nos pedaços!
Mas olha como as coisas funcionam...
A novela que passava na televisão era minha história todinha!!! Roubaram a minha história e não me pagaram nem um refrigerante!!! Era um romance muito bonito, estava fazendo muito sucesso!
Mas o que ninguém esperava era que em 76 o estúdio onde estavam filmando a novela iria pegar fogo!!!
Isso mesmo... pegou fogo em tudo! E a história que era tão boa se perdeu! Mais do que depressa saíram procurando o verdadeiro autor daquela trama... Mas como eu iria provar, bem, que eu tinha escrito aquela história se eu já tinha queimado os originais? Ah! Que raiva!
***
E o destino gosta mesmo é de brincar com a gente. Não é que um dia desses estava no hospital para passar por uma consulta e eis que havia uma mulher que ficava me olhando sem parar?
Eu passava de um lado para pedir uma informação e a mulher me olhava, passava de outro e a mulher continuava me olhando. Teve uma hora que sentei do lado dela e ela me disse:
- Eu acho que conheço a senhora de algum lugar...
- Eu não me lembro de você não!
- Mas eu lembro... Você... É aquela mulher que um dia foi no escritório e levou uma novela belíssima para datilografar!!! Gente! Essa mulher escreveu uma história muito linda – saiu gritando na ala daquele hospital.
E todo mundo que naquela época acompanhava a novela na tevê, me pediu para contar como a trama terminava... Ah! Se não fosse essa tonelada de remédios que eu tomo, teria me lembrado de tudo! Mas não consegui passar dos cinco primeiros episódios!!!
CAPÍTULO 3 – TEREZUDA
Êta bem! Mas como eu estava te contando, meu marido era um leão!!! Um leão de bravo! Não me deixava fazer nada! Naquela época casamento era tudo arrumado, a gente não tinha muita escolha! Mas eu consegui me livrar de um marido japonês e acabei casando com o leão!
Mas o leão tinha uma fraqueza! Gostava de mulher bunduda! Não podia ver uma saia mais cheinha que corria atrás! E eu tinha que aguentar, né, bem? Agora imagina você... Eu com esse sangue de italiano e espanhola...
Teve uma tal de Terezuda que além de sair com o leão depois ainda passava e ficava me provocando! Só pelo nome você consegue imaginar o tipo de mulher que era, né, bem? Terezuda! Ah! Mas se eu não fosse uma mulher de raça, uma mulher com classe! Uma mulher que amava a arte e escrever, essa Terezuda ia só ver uma coisa! Foi por causa das provocações da Terezuda que eu tive que deixar o Mato Grosso e vir me embora aqui pra São Paulo!
CAPÍTULO 4 – O OUTRO PRETENDENTE
Como eu já disse, o leão foi meu segundo pretendente. O primeiro era um japonês! Nós não tínhamos o costume de misturar a raça não, bem, mas o pai desse japonês queria arrumar pra ele alguém que fosse esforçada e trabalhadora e, desde que se comprometesse a aprender a cultura e a língua nipônica, não havia problema se fosse gaijin. E eu ia, aprendia os costumes, aprendia umas palavras e ia casar. Mas os meus amigos não queriam... Diziam que eu não ia ter nada!!! E que todo japonês batia na mulher! Você acha, bem, que eu, mulher que matava cobra e derrubava boi com a unha ia apanhar de japonês? Pois fiz de tudo pra dar um pé na bunda dele!!! E acabei casando com um leão, que nunca me bateu, mas também era daqueles que não subiam e nem deixavam outros subirem!!! Hoje eu sou sozinha, mas o que adianta? Já estou velha, toda quebrada! Tomando toneladas de remédios!!! Eu que tinha tantos sonhos, tanto talento, tantos dons!!! Hoje estou na merda!!!
CAPÍTULO 5 – ESTOU NA MERDA
As pessoas acham que sou louca, mas já conheci muita gente famosa aí. Quando me mudei para São Paulo, fiz um curso de teatro grátis! Fui levar uma de minhas novelas para um diretor de teatro ver e ele viu que eu tinha jeito pra coisa! Foi aí que conheci muitas pessoas que hoje são famosas!
Mas as pessoas não acreditam, porque os famosos que conheci naquela época hoje estão ricos e eu estou aqui, na merda!!!
Com toda certeza você já deve ter ouvido falar do Silvio Santos! Pois é, bem, na época que eu conheci o Sílvio Santos, ou melhor, o Peru Falante, ele não era nada! Fui eu que dei a maioria dos conselhos para ele ser o que é hoje, bem! Mas as pessoas não acreditam nessa história, porque o Sílvio ficou milionário e eu, graças ao leão, estou na merda!