BALADA PARA *A*
Somos amigos por princípios ocultos.
Não tão ocultos que deles não se fale,
Mas quando vemos
Nós já perdemos
Não só o novelo
Como o fio da meada.
Como alguns políticos,
Nós nos estendemos...
(Deus sabe como!)
E sem mentiras,
Tal a facilidade e empenho
Na alternância de papéis.
Já mal sabemos
A extensão de cada,
De onde termina um,
De onde começa o outro.
Nosso time campeão é misto:
Acertamos bolas em cestas contrárias,
Trocamos nossas camisas
E não se sabe o vencedor.
(Camaleões conhecidos
Trocam de peles e cores
sem dramas!)
Eu lhe conto tantas coisas!
Não as conto a mais ninguém.
E o que conta
É que você não conta nada também.
Tácitos nos segredos.
Cúmplices. Parceiros. Conspiradores.
O tempo passa
E ora somos espelho
Ora somos avesso.
(Se lembra daquele tempo?)
(Como é que eu era?)
(Como é que era?)
(Quem é que era?)
(Quando é que foi?)
(Onde é que foi?)
Eu não me lembro...
Você não lembra...
Nós nos lembramos.
(Que dia mesmo?)
(E aquele filme?)
(Qual era o bar? livro? pessoa?)
(Cadê fulano? Onde morava?)
(Tenho certeza de que acho que...)
Nós nos lembramos.
Por vezes acontece...
E é o seu medo
Que esbarra no limite do meu.
(Você digere pra mim?)
(O que faria?)
Por vezes acontece....
E nossos olhares se cruzam
E nossos corpos se tocam
E um ou outro diz que sim
E um ou outro faz que não.
Um quero mas não quero
Querendo sem querer.
Por vezes ambos querem...
E o Céu se abre em rosa e azul!
Eu não aprendi a rir
Das tapeadas que a gente
Tenta passar um no outro,
Mas que não dá!
Você não aprendeu ainda
A sustentar meu olhar
De ironia ou crítica,
Mas que não dá!
Amor-mistério
Que não acaba
E que não fica.
-Pegue um café.
-Traga um cigarro.
-Faça um conserto.
-Corte uma cebola (e apare as lágrimas...)
-Corte uma fruta (e estanque o sangue...)
-Grave um filme (mas grave inteiro!)
-Leia o poema (mas leia todo!)
-Compre pra mim (logo, logo...)
-Procure onde está...
-Gosta deste?
-Quero ir junto.
-Quero ir sozinho.
-Me leve, vai...
-Me telefona?
-Te telefono?
(Tão alta a conta... está errada!)
E assim seguimos.
De braços dados.
Amigos-amantes.
Adão com Eva,
Expulsos
Mas no Paraíso...
Aves sem plumas,
Adultos-crianças.
A vendedora de fósforos
E o soldadinho de chumbo.
Histórias de livros
Lidas nas nossas vidas.
Mal chega uma vertigem
E nos amparamos,
Fortes que somos.
Mal se vislumbra um drama
E nos entregamos,
Frágeis que estamos.
E a gente volta,
Vira a ampulheta...
Tudo de novo
Sem nada de novo,
Mas com o mesmo gosto!
Na contramão
Do tempo
Da vida
Da emoção,
Na certeza de que
Talvez... não sei...
(Que acha?... Posso pensar?... Não entendi...)
Ambos seguros
Mão na mão
Braços com pernas
Siameses
Como irmãos
(Ou parisienses amantes)
Amado,
(E)terno amigo,
Novo sempre e antigo amor:
Doce balada para o meu coração!
[para *AFN*, como sempre e para sempre.]
SP 28/03/1994