PADRE AGOSTINHO DE MONTEFELTRO
Durante a quaresma de 1886 correu pela Italia uma extranha noticia. Em Pisa apparecera um frade franciscano, cuja eloqüência apostólica enthusiasmava as turbas, e suscitava dentro do próprio templo applausos e acclamações. Era tal a multidão que corria a ouvi-lo, que foi necessario, para impedir desgraças, postar as tropas pelas ruas. As primeiras notabilidades da sciencia, das letras, da magistratura e da milícia, os mesmo incrédulos, apinhavam-se, confundidos com povo devoto, em redor do púlpito do grande Minorita no vasto recinto da celebre cathedral.
Foi então que, pela primeira vez, resoou pela Italia o nome P. Agostinho de Montefeltro. Até áquella epocha este religioso vivia escondido no claustro, entregue à penitencia, á oração e ao estudo. Só algumas vezes apparecia com o crucifixo na mão entre o povo dos campos, e as suas prégações eram fecundas de grandes fructos de salvação.
Não deixava o silencio do santo retiro senão para tomar parte nas missões que davam pelas terras da Toscana os religiosos de S. Francisco, e apenas Arezzo e Bolonha tinham podido admirar as sua vasta sciencia, unida a uma grande virtude.
Mas Deos, que escolhe os humildes para confundir os soberbos, quis que apparecesse no meio d’uma das sedes mais celebres da sciencia, entre os orgulhosos da sabedoria humana, um pobre o humilde filho do S. Patriarcha d’Assis, e alli fosse admirado e acclamado; e que da bocca dos doutores materialistas da grande e celebre universidade sahisse o pregão que annunciasse a toda a Italia a fama do grande philosopho e orador franciscano. Desde então as principaes cidades da penisula disputaram entre si a fortuna de ouvir a sua voz.
Na quaresma de 1889 o P. Agostinho de Montefeltro devia pregar na cathedral de Sena, mas o Summo Pontifice Leão XIII quis que a sua Roma não tardasse a experimentar os effeitos salutares da palavra d’este valoroso apostolo, e mandou que antes de tudo aqui viesse defender as grandes verdades da fé.
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Como coroa e epilogo do que até aqui temos dito, concluímos com as seguintes epigraphes compostas em honra do P. Agostinho de Montefeltro pelo celebre latinista P. Antonio Angelini da Companhia de Jesus.
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A immortalidade da alma.
Em nós ha uma alma espiritual; prova-o a consciencia da nossa identidade, demonstram-o as suas operações que excedem as forças da materia, attestam-o as sciencias, as bellas artes, a virtude, que sem ella não existiriam.
Mas, senhores, aonde vamos nós com esta alma espiritual? Qual é o termo definitivo da nossa existencia?
É talvez o sepulcro? Nas trevas do sepulcro acabam todos os esplendores da intelligencia, todas as energias da vontade, a generosidade, a amisade, o amor, a caridade, em uma palavra todas as chammas dos nossos corações?
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É assim que a alma prova a si mesma a sua immortalidade. Ah meus senhores, quando tiverdes deante de vós o corpo exanime d’uma pessoa amada, de vosso pae, de vossa mãe, de vossa esposa, de vosso filho, de vosso irmão, de vosso amigo; quando virdes pallido e desfigurado aquelle rosto que vos sorria com tanta bondade; quando virdes extincta a luz d’aquelles olhos que não se queriam nunca fechar para ver-vos sempre; quando sentirdes fria e insensível aos vossos ósculos aquella mão que vos apertava com tanto affecto; quando virdes cerrados aquelles labios donde sahiam tão doces palavras, tão sanctos conselhos; quando ouvirdes repetir em redor de vós aquella lúgubre palavra: - É morto, é morto!... ah! podereis vós então dizer: - Tudo acabou, nunca mais nos tornaremos a ver, nunca, nunca!?
Não, vós não o direis, não o podereis dizer; vós exclamareis: - Sim, eu hei-de vel-o outra vez, eu tornarei a ver meu pae, minha mãe, minha esposa, meu filho, meu irmão, meu amigo!... Se vós não podesseis dizel-o, se vós não deves-seis tornar a ver quem tanto amáveis, tirieis toda a razão de voltar-vos para Deos e dizer: Tu enganaste-me, porque tu puzeste em mim um amor que mentiu a si mesmo.
E então, senhores, Deos não seria o Pae dos homens, mas um tyranno; e a vida que nos deu seria uma infâmia.
Como?!...Aquelle ser que eu tanto amava, havia de acabar para sempre? Aquella alma unida estreitamente á minha, havia de extinguir-se no nada? Como?!...Depois d’esta existencia tão breve e tormentosa, não há-de haver mais nada?!...
Mas então, meus senhores, a caridade, a amizade, o amor, não seriam senão uma ilusão; a verdade e a justiça não passariam de chimeras. É possível crel-o?
Não, ninguem poderá dizer semelhante cousa, sem impor silencio aos instinctos mais nobres do coração.
Que quer dizer aquele sentimento que nos domina á vista d’um ataúde; aquelle respeito que todos sentem deante d’um sepulcro? Por ventura uma grãosinho de pó merece tanto o nosso respeito e nosso affecto? É que uma voz interior nos diz que não terminou tudo alli, que a morte não é senão uma transfiguração gloriosa. D’aqui vem aquelle culto dos sepulcros tão vivo entre todos os povos, porque em todos os povos é viva e profunda a convicção de que alguma cousa sobrevive á morte: e isto não pode ser a materia, porque a matéria decompõe-se na sepultura; é a alma que é espírito e vida, é a alma que é immortal. Por isso dizia Rousseau: “Todas as subtilezas da mataphysica não me farão nunca duvidar um só instante da immortalidade da minha alma; eu sinto-a, eu creio-a, eu espero-a, eu quero-a, e hei-de defendel-a até ao ultimo suspiro”. – Sermões do Padre Agostinho de Montefeltro – Da ordem dos menores observantes pregados na igreja de S. Carlos de Roma durante a quaresma de 1889 traduzidos e publicados pela direção da correspondencia de Roma – Volume I. – Terceira Edição