Lembro-me de tua voz

firme, doce e constante.

 

Lembro-me de teus olhos

profundos, ansiosos, distantes.

 

Longe e perto de nós,

vejo-te, todo dia, arfante

tentando domar gigantes...

 

Gigantes da solidão

Do mudo abandono

Gigantes da razão

sem fé e sem dono...

 

Mas, não apenas lembrança:

sinto mesmo é saudade

dos contidos abraços,

da música, do café, dos apertos de mão.

 

Saudade dos raros momentos sentados

à rua do barão

desfiando temores, passados, vontades.

Nossos olhos tão marejados

de excentricidades.

 

Quantas pessoas se foram

E em nós não passaram!...

 

Quantas preces mudas

meio às lágrimas contidas

de nosso tempo!

 

Um tempo sem registro

a não ser o da memória:

eis o motivo desses olhos

tão profundos...  tão densos...  tão reservados.

 

Nossas ruas se foram e nossos passos ainda as percorrem.

Nossas casas mudaram de dono e não nos mudamos.

Nossos objetos sumiram e ainda estão dentro de nós.

 

Tudo mudou na cidade.

nós não nos alteramos.

Apenas silenciamos.

Nossas vozes estão fracas

por detrás de nossos olhos.

 

Fica o murmúrio de nossos passos arrastados

qual o sibilo do vento

sem que nosso caminho

encontre estrada para percorrer
nesta cidade ...  nesse momento.


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(DORA BOARETO BORGES nasceu em 26 de fevereiro de 1925 e faleceu em 8 de janeiro de 2010; esposa do senhor OLAVO ESCOBAR BORGES, nascido a 19 de agosto de 1917 e com falecimento em 22 de maio de 2010. Ambos, meus eternos e raros amigos a quem espero não apenas reencontrar mais tarde, mas acaricio-lhes a memória com a presença constante em minhas lembranças). 

Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 06/09/2010
Código do texto: T2482062
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