A POESIA DE DALVA MOLINA MANSANO

Dalva Molina Mansano, poeta de versos vivos, a mais pura essência do lirismo de jasmins espalhando perfume pelos muros e grades das casas em silêncio na quietude da madrugada.

Ler os versos de Molina é aspirar profundamente esse olor e senti-lo invadir os recônditos da alma. É na alma que a poeta se assenta e lança sua poeira de brilhante poesia.

É necessário ser poeta para adivinhar os caminhos, as ruazinhas estreitas e solitárias por onde Dalva espalha estrelas em forma de versos.

O seu lirismo desabrocha em flores de jardins celestiais e é de lá que afirma, a dar a impressão de conhecimento de causa, de autonomia e de autoridade sobre quem lança o seu penetrante olhar:

Olhei-te e reconheci em ti

o semblante já visto um dia.

Como o frasco transparente,

que ostenta uma flor

indecisa em desabrochar,

mostraste tua essência.

Rompeste a incabível prisão

e desabrochaste

resplandecendo como aurora

mesclada de cores e sentimentos.

Uma, apenas uma rosa,

porém altaneira

e forte,

destacada como rubra

pétala entre folhas secas.

E permaneces.

No jardim, solitária

és como tela única

em alva parede,

onde amenizas dores

e encantas

na simplicidade de tua moldura.

Há uma nota onde se misturam luz, revelação e cor no poema, produzindo o imediato efeito em quem o lê de ver e ter também a certeza de conhecer a personagem do quadro.

Autora de poesia amadurecida no voo dos versos livres, a ave poética se lança numa paisagem surreal e, de onde, novamente, reina sobre o que está no foco do seu olhar de poeta senhora de sua poética. Note-se como em Tênue esperança, o voo dessa ave vai se desmanchando em êxtase lírico e se deixando amputar suavemente as asas. Crítica de sua própria subjetividade, Molina Mansano observa o seu sorriso “desarranjado”. Na verdade, o sorriso do eu poético reconhecendo-se e humilhando-se perante a grandiosidade do ato criador.

TÊNUE ESPERANÇA

O céu tornou-se incandescente

e já não posso tocar

a parte da maçã

que a mim cabia.

Meu olhar complacente

aceita a nova realidade

sem grandes surpresas.

Atiraram-me a flecha certeira

e deceparam-me as asas

que me levariam

ao verde voo

da esperança.

O que resta agora,

É um sorriso

desarranjado.

É esse eu poético que se questiona em Cor quo vadis? Trata-se do desejo de descobrir qual o seu destino e o destino do objeto de seu carinho, a ânsia de todos os abençoados pela Poesia. Um ser tão especial a ponto de extrair o coração com tamanha delicadeza. Só para olhá-lo pendurado numa parede como um quadro ou pingente onde avistaria o mistério do que sentem os poetas. Dalva cuida da Poesia com suas mãos de anjo em prece eterna.

COR QUO VADIS?

Caso pudesse,

tiraria o coração

e o penduraria na parede

do quarto, pendente

de uma correntinha dourada,

como o primeiro raio de sol

teimoso da madrugada.

Ficaria livre

da taquicardia

e da dor do peito

tão triste causada.

Não o abandonaria,

Olharia pra ele

A noite toda

com olhos escuros

E profundos,

fazendo ondas

e zelando

para que não morresse.

Em geral, apreciações literárias decepam poemas. Para sustentar o pouco que se diz sobre o indizível, alguns versos são arrancados do corpo do poema, assim como se fossem amostras para um exame. Faço isto também, mas me sinto cortando, decepando sentidos das asas majestosas do anjo Poesia. Entretanto, não cortarei os versos de Dalva Molina. Seria mais que castrar, seria um crime, uma heresia. Como seria mesmo entendível ofuscar o brilho estelar e perder a paisagem onde os astros tremeluzem “num aceno de adeus”? Definitivamente, é impraticável cortar um só de seus poemas, pois indivisíveis se apresentam, numa linha de caminho-sem-fim, melódica inebriante.

ESTELAR

Há apenas uma fresta

por onde estrelas tremeluzem

num aceno de adeus.

Não entendo o que dizem

porque não me ensinaram

a linguagem do brilho.

Entendo bem o que desejo:

tomá-las em minhas mãos

e guardá-las

para que todas as noites

o meu céu esteja bordado

e eu possa aprender com elas.

Um poeta, seja homem ou mulher, não quer saber da origem da inspiração, quer estar inspirado/a, pois a ausência do motivo soa como um canto agourento no fim da tarde. A poeta aconchega a Poesia, incondicionalmente e a ama em festival de beleza e quietude.

... E TE AMO

Nada te perguntei

Quando chegaste.

Não investiguei papéis

Não alinhavei informações;

Arrumei teu canto

Aqui do lado esquerdo

E deixei-te

Aí ficar...

A mesma poeta que voa desce ao solo dos desfeitos sonhos e anda com as formigas a elas igualando-se na pungente dor da cena onde acalentadas ilusões estão sangrando.

SONHOS DESFEITOS

Sonhos desfeitos

Derramei sonhos

e enchi meu quarto deles.

Rompeu o dia

e suas arestas me cortaram

a carne.

Árvore desfolhada

e pétalas que enfeitam o chão.

Formigas passeiam

e eu sou tão pequena

quanto elas.

Descobri que os sonhos

devem ficar seguros

dentro do coração.

Assim, eles não caem

e ninguém os pisa.

Em Cinzas do coração, Dalva Molina incinera as poéticas mãos na tentativa vã de salvaguardar o coração amado. Quão doce é a figura de um coração incinerado sendo levado pelas mãos de uma poeta de pura paixão. Vai-se o coração, fica o poema de marcas profundas das queimaduras que não cicatrizam.

Plena de figuras e forte apelo linguístico, as palavras brotam dos versos de Dalva à semelhança de seres vivos, mais que isto, pequenas deusas semânticas, símbolos perfeitos. Poesia signo.

CINZAS DO CORAÇÃO

O coração solta labaredas

E queima-me as mãos

Se o tento segurar!

Não, não consigo

E nem tentarei...

Vou deixá-lo

que se queime sem o tocar.

Quando estiver em cinzas,

Levo-as e jogo-as ao mar

Assim não saberás

Que por ti tornou-se brasas

E em cinzas se acabou.

Olharás o horizonte

E na sombra ao longe

Pensarás na última ave

Que voa e no barco

Que partiu

Para não exagerar, sejam anotados apenas dois adjetivos para o poema O portal: magistral e incandescente. Nesse gole veloz, gritante e de sabor inigualável na urdidura das linhas, a poeta se embriaga e embriaga o apreciador da Poesia. Depois, consciente de sua construção poética, como uma menina arteira, deixa-se molemente ficar, figura principal e lasciva, “Igual ao gato, à espera do nada.”

Desejar vencer a poesia de Dalva Molina Mansano em quaisquer breves considerações é arriscar-se muito. É querer caminhar sobre as águas sem ter fé.

O PORTAL

Quero ouvir o espocar

da rolha do vinho

que sai suavemente

pela mão que a extrai,

como quem cumpre

um precioso ritual.

E sorver na taça

O bouquet do meu sonho

já envelhecido,

até a última gota.

Apreciá-lo, aspirando-o

Gostando-o de lado a lado

na língua, como a ter certeza

de seu tempo.

O sonho até a última gota!

Antes que se feche

A última porta do albergue,

Quero aquecer-me ao sol

Na ereta cadeira

De carcomida madeira

Olhando as flores amarelas

Dos vasos junto ao portal.

Igual ao gato, à espera do nada.

***

DALVINHA, A COLEGA E AMIGA, BEMTEVI, COMPARTILHA A ALEGRIA NESTA PÁGINA.

Pássaro de estirpe, portador de pedigree,

Canto lírico, mavioso, De ritmo harmonioso!

Que distrai a seleta corte do reino

Eu, canto brejeiro, sem louvação,

Sem platéia, sem emoção...

Quem dera cantar na copa de tua árvore,

Deixar ecoar lá o meu triste lamento

Que sai das entranhas do sofrimento

Carente de uma voz de diva, de Dalva,

De tantos outros pássaros deste recanto!

Por enquanto o meu canto

É simplesmente de amor...

Por tua bela poesia

Que encanta e extasia

Que explode como um louvor!