O MENINO ARTEIRO O HOMEM ARTISTA - Inês Carmelita Lohn

Inês Carmelita Lohn

Era uma vez, um menino que morava em uma casa de madeira muito velha, onde ele e sua família dividiam espaço com os cupins. Nasceu raquítico e franzino, mas sua mãe cuidou dele com tanta ternura e dedicação que logo já estava criado e pronto para começar fazer suas peraltices e artes. A casa que ele morava ficava no alto de uma rua na ilha da magia, em Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina.

O garoto, desde pequeno, enfrentou inúmeras dificuldades. Era filho de família pobre em que tudo era regrado. Começou a trabalhar na adolescência, para ajudar nas finanças da família, mas nada o impedia de correr atrás de seus sonhos em busca de dias melhores. Durante sua vida, sempre soube sair das dificuldades com o olhar voltado para um novo ideal. Não se acovardava diante das pedras que encontrou na sua caminhada.

Foi um bom filho, mas o danado era muito levado e esperto. Estava sempre armando inventos. Sua astúcia era de se invejar.

Nilson e seus amigos brincavam muito. Ele era o mais esperto da turminha, sempre tomava as iniciativas para organizar as peraltices e aquelas brincadeiras sadias que criança daquela época brincava. A garotada da rua onde morava brincava de tudo um pouco, pipas, máscaras, cineminha, carro de quatro rodas, boi de mamão e outras tantas brincadeiras que só quem viveu naquele tempo sabe contar. A turminha do morro do Antão, onde Nilson morava, era pobre, mas sempre encontrava uma forma de diversão.

Desde cedo, esse menino arteiro, chamado Nilson, já demonstrava interesse pelas artes. Ainda criança, começou a fazer cineminha em um bastidor, montado com um simples pedaço de lençol, projetava a imagem apenas com uma vela acesa lá no fundo. O valor do ingresso para assistir era de apenas cinco palitos de fósforo. Pra que será que ele queria tantos palitos de fósforo??? Mas não ficava só aí. Ele alugava o carro de quatro rodas para os amigos. Neste caso, o preço era um tostão por três descidas, e era mais caro se o locatário quisesse ser puxado morro acima.

Quando a turminha resolvia jogar uma pelada, Nilson tinha que ser o primeiro a ser escalado, pois se não fosse não tinha jogo de jeito nenhum, porque ele era o dono da bola. Pegava o seu brinquedo e saía morro acima, em direção a sua casa.

O danadinho tinha uma esperteza de se invejar, na realidade vivia muito além de seu tempo. Um dia, quando sua bola de futebol já estava bem velha, com o umbigo espichado para fora, ele resolveu trocá-la por um álbum de figurinhas. Como era de se esperar, deu uma de esperto. Antes da negociação, amarou uma tira de couro para esconder a saliência do umbigo da bola e assim o novo dono foi enganado sem perceber.

Nilson, na sua infância, brincou de tudo que se possa imaginar, mas seu grande sonho era ter uma bicicleta. Como a família tinha poucos recursos, passou essa época sem ter a sonhada bicicleta. Quando já estava um rapazote, fez um “negócio da china”. Comprou uma bicicleta de um amigo por apenas vinte cruzeiros e um relógio. Aí sim pôde sair pelas ruas pedalando a sua bicicleta tão sonhada.

O garoto realmente era astucioso. Certa vez, uma professora percebeu que ele estava conversando durante a aula, então lhe aplicou um castigo que era escrever duzentas vezes “Não devo conversar em sala de aula”. Na volta para casa, Nilson foi pensando em uma maneira mais fácil de cumprir o castigo. A sua esperteza foi muito astuciosa. Ele amarrou dois lápis juntos e escrevia com um e o outro acompanhava na escrita e assim seu castigo ficou pela metade.

Aos treze anos, o menino, filho de família humilde, começou a desenhar histórias em quadrinhos e escrever os textos delas. Mas infelizmente esse menino cheio de sonhos, cuja arte corria pelas veias, aos quatorze anos, por motivos familiares, teve que interromper seus estudos, só podendo voltar a estudar nove anos depois.

Filho de pais pobres, nunca tinha dinheiro para ir ao cinema e teatro, que eram as suas diversões prediletas. Mas como era de se esperar, Nilson, sempre dava um jeito, ficava na porta do cinema ou teatro. Os porteiros já conheciam muito bem as peraltices do garoto. Então o deixavam entrar, mesmo porque eles sabiam que, se ele não entrasse pela porta da frente, daria um jeito de entrar pela porta dos fundos e, se essa estivesse fechada, ele entrava pelo telhado. Até perecia que ele ara mágico, porque, quando não havia jeito de entrar, ele encontrava uma forma mágica para não perder os espetáculos.

Nilson sempre teve seu lado espirituoso bem aflorado, fazia brincadeiras com os amigos e sempre tinha resposta para tudo. Muitas vezes, em suas ansiedades aventureiras para assistir uma peça de teatro ou ir assistir a um filme, colocava seus amigos em enrascadas, mas eram enrascadas que não prejudicavam ninguém. Apenas ele e seus amigos, por terem pouco dinheiro, davam um famoso jeitinho de entrar no teatro sem pagar para assistirem as peças teatrais que eram apresentadas na cidade.

Sua infância foi recheada de acontecimentos bons e ruins. Ele era como uma ave, voava , voava e sempre encontrava um abrigo e, se o abrigo desmoronasse, tratava de voar na busca de outro.

Na adolescência, suas veias artísticas e literárias começaram a aflorar. Ele começou pitando fotos e quadros em aquarelas. Com o passar do tempo, passou a escrever radionovelas, jornais, livros infantis, peças de teatro, crônicas e tantas outras coisas ligadas à arte da literatura.

O tempo de juventude deixou muitas saudades para o arteiro e artista Nilson. Uma delas foi a de namorar as moças do bairro do Estreito. É, naquele tempo, o último ônibus passava por lá às vinte e duas horas e, por descuido ou por um beijinho a mais, podia perder a condução e, se a perdesse, tinha que atravessar a ponte Hercílio Luz a pé. O danado chegava em casa esbaforido, mas, no outro fim de semana, novamente estava pronto para mais uma aventura até o bairro do Estreito.

Nilson foi um jovem muito namorador. Seu charme masculino seduzia as moças da ilha da magia e as do continente. Além de namorar ao vivo e a cores, também tinha suas namoradas por correspondência, e não foram poucas. Costumava falar para sua mãe que queria casar perto dos trinta anos.

Um dia, sem que ele esperasse, foi fisgado pelo cupido. A flecha do amor lhe pegou de um jeito fatal, e ele não teve como escapar.

Tudo aconteceu de uma forma mágica, Nilson, o sedutor, estava indo para o teatro. De repente, encontrou uma linda moça chamada Santa. Foi um amor à primeira vista e assim começou mais uma bela história de amor entre dois jovens da ilha da magia.

Naquele tempo, o namoro era diferente dos dias de hoje. Os jovens primeiro se namoravam, para depois se conhecerem intimamente, e muitos só se beijavam depois de falar o sim na frente de um altar. Por esse motivo, Nilson suou a camisa. Ficava no portão, esperava anoitecer e nada acontecia. Santa, sua namorada, não dava nem se quer um beijo antes de ele ir embora.

Certo dia, na volta para casa, depois de ter jogado todo seu charme sedutor, ele teve uma ideia, e essa não falhou. Escreveu uma carta e mandou para sua amada. Quando a jovem Santa leu aquelas palavras, não resistiu e passou a contar os minutos para se entregar ao beijo tão esperado de seu amado. Mais tarde,ele fez um poema sobre como se sentia naquele tempo, enquanto ela se recusava ao beijo. Foi uma paixão tão forte e ardente que Nilson, mesmo sem ser marceneiro, fez todos os móveis de uma casa, para então poder casar com sua amada.

O casal romântico trabalhou juntos em vários projetos, Santa, sempre que podia, acompanhava seu marido, dava-lhe ideias e apoiava as artes e peraltices literárias de Nilson. Mas tem uma história que os pombinhos jamais vão esquecer.

No primeiro ano de casados, resolveram assistir a um jogo de futebol no abrigo de menores, no bairro Agronômica, em Florianópolis. Logo que chegaram ao local, foram atacados por cães que guardavam o referido educandário. Santa nada sofreu, porque seu homem apaixonado a protegeu com seu próprio corpo, mas Nilson, pobre coitado, ficou com a calça do terno de casamento em farrapos.

O casal teve uma lua de mel, e passaram pela vida comendo pão com mel, tiveram três filhos legítimos e uma filha adotiva, pois ambos tinham sonhos de ter quatro filhos.

Nilson e Santa formaram um casal que soube lidar com as artes do casamento; nas dúvidas, um apoiou o outro; e os problemas, enfrentaram juntos; as briguinhas, tiraram de letra; com certeza, um soube calar para que o outro pudesse se expressar, senão essa bela história de amor não teria se prolongado durante tanto tempo.

Onze anos depois de casados foi que Nilson e Santa começaram a construir a primeira casa própria, a qual ele mesmo ajudou a rebocar paredes, colocar tacos no chão e fazer redes de água e esgoto.

Nilson sempre teve uma vida bem ocupada porque, paralelamente a sua profissão, gostava de estar envolvido com tudo que tinha ligação com a cultura.

Depois de encontrar muitas portas fechadas para então poder mostrar sua arte literária infantil, um belo dia, o bom Deus e os espíritos de luz abriram todas as portas possíveis, e ainda a tempo esse grande artista foi reconhecido e pode fazer um belo trabalho com as crianças da cidade. E com o passar do tempo, crianças de várias partes do mundo também foram beneficiadas com suas peças teatrais e com seus fantásticos e criativos contos. Com o tempo, participou de várias associações literárias e até entrou para a Academia de Letras. Depois de estar mais velho, recebeu inúmeras homenagens de vários setores literários e artísticos, e também de pessoas que o amavam, respeitavam e admiravam seu trabalho.

Assim é a vida do menino arteiro e do homem artista. Nilson Mello foi um bom filho, é um excelente esposo e um pai exemplar. Leva sua vida leve como um pássaro. Voa em busca de suas conquistas literárias. Se não encontra um lugar para se abrigar, recomeça seu voo em um novo rumo, porque acredita que, lá na frente, um dia, terá um lugar onde poderá pousar para saborear o gosto das suas letras em forma de histórias.

*Autora: Inês Carmelita Lohn, Escritora, Poetisa das Rimas é associada da ACPCC e nos brinda com este belo texto em homenagem ao escritor e teatrólogo Nilson Mello.