O Verde do mar e a fortaleza

Foi a Chris que disse, ainda ontem, sob a luz diáfana do

crepúsculo norte do Planalto Central, na quente tarde de um doze de

outubro ensolarado e triste: “Amigos não morrem, partem mais

cedo…” Ainda anestesiado, como praticamente todos à minha volta,

refleti, suspirei e, sem desviar o olhar, ainda marejado pelos

derradeiros acontecimentos daquele dia, mirei o rubro céu de

primavera que se descobria em meu derredor e pensei: como dói tua

ausência, caro amigo.

Robertão era, pra não fugir ao óbvio, uma figuraça. Tinha um

jeitão desengonçado e divertido de se portar, locomover e levar a

vida. A pronunciada anatomia encefálica, que tantos e divertidos

apelidos lhe renderam durante a infância/adolescência, aliada à fina

silhueta, assemelhavam-no a uma lâmpada, delgada na base e

robusta no cimo. E Roberto era isso, uma potente lâmpada, a

iluminar a tudo e a todos à sua volta.

Seu sempre presente sorriso nos iluminava. Suas palavras,

invariavelmente oportunas, nos alegravam nos momentos de

demasiada seriedade; confortavam-nos nos momentos de dor;

faziam-nos refletir nos momentos de raiva. A sua aura cintilava,

como cintilantes eram seus olhos verdes. Ah! Que inveja nos

causavam aqueles profundos olhos esmeraldinos, que, vez por outra

se cerravam solenes, ao sentir a magnânima presença do Pai, em

uma prece, uma canção, ou diante da simples harmonia das flores,

que teimavam em se abrir por onde quer que passasse.

Padecia, porém, de vício insanável, pois teimava em torcer para

o seu amado Botafogo, apesar do contínuo sofrimento. Tenacidade e

resignação. Qualidades imprescindíveis a um bom botafoguense, as

tinha de sobra. Levava sempre na esportiva todas as gozações e

galhofas, impiedosamente infligidas por seus amigos e companheiros.

O bom-humor, mais que uma característica sua, era a única maneira

que via para levar a vida. Assim como outro botafoguense doente

(perdoem o pleonasmo), emérito sambista carioca, conhecido por

Zeca, deixava que a vida o levasse.

Ana Lúcia, devotada esposa do nosso RC, deixou a todos

impressionados. Causou-me verdadeiro assombro a força dessa

mulher. E não só a mim. Nossa querida Gegel, companheira

constante nos derradeiros dias, confidenciou-me durante o amargo

rito, o que me pareceu um resumo perfeito de quão sólida é a

muralha moral com que todos se depararam ao oferecer os pêsames

à família: “Eu me sinto deste tamanhinho perto dela…” E é a mais

pura verdade. Durante a visita que fiz a nosso amado amigo, ainda

no hospital, fiquei perplexo ao vê-la confiante, otimista e resoluta da

recuperação, mesmo diante de quadro tão desfavorável. Mesmo

sabendo-o inconsciente, conversava com ele amavelmente, dizendo-lhe

palavras de força e fé. Força e Fé! Em seu momento maior de

dor, diante do corpo do companheiro de tantos anos, essa mulher,

que comparo a uma fortaleza, inacreditavelmente, a todos consolava.

E todos cantaram: como é grande o meu amor por você…

Sim Roberto Carlos, nosso amor por você é grande, como

grande foi a mensagem que nos deixaste. Mensagem de Amor, Força

e Fé. Teu engajamento nos movimentos cristãos sempre será

lembrado. Os jovens que ontem cantavam em tua derradeira viagem,

tenha a certeza, doravante cantarão impulsionados por teu legado.

Eu vi o quanto significaste para as novas gerações cristãs. Eu vi

quantos te amam e lá estavam para homenagear-te. Eu vi a tristeza

nos olhos dos homens. Eu vi a dor nos olhos de tua mãe. O

sofrimento nos olhos da Candinha, tua irmã. Eu vi as flores se

abrindo à tua passagem. Eu vi a Força no semblante de tua amada, a

Fortaleza.

Só não vi, amado amigo, o profundo e belo verde dos teus

olhos.

O verde do mar.