Manaós, Tomate e Guaraná…

Hi negada,

Finalmente as lamparinas do meu juízo parecem ter se acendido e consegui lembrar uma data: era janeiro de 1979. Meu pai decidiu levar-nos, a mim e a meu irmão, para passar um verão na aprazível capital do Amazonas, e da Amazônia (os paraenses vão me matar), se é que existe outra estação por aquelas bandas, cuja temperatura, ou como os neometeorologistas de plantão adoram dizer, sensação térmica, beira os 50 graus à madrugada solta.

Em uma agradável (porém quentíssima) noite de sábado, fomos informados pela primaiada toda, cerca de 40 e tantos jovens, adolescentes (ainda não havia os tweens) e afins, de que iríamos à discoteca (naquele tempo era discoteca e não “club”) da onda, cujo nome era “Starship”. Eu e o mano ficamos, pra dizer um termo atual, “sem noção”, ou, no dizer daqueles dias, chocados. Seria nossa primeira saída pruma “Disco” noturna, já que até então nos restringíramos às inocentes matinês. Obviamente seríamos monitorados permanentemente pela pessoa mais velha do grupo, nosso primo Leôncio, que do alto de seus 15 anos assinou o termo de compromisso em 3 vias, e foi formalmente nomeado guardião do grupo.

Pois bem, desnecessário dizer que ao chegar ao destino, a cultuada casa noturna, por sinal, um lugar “chocante” (porém quentíssimo, a despeito do ar condicionado a menos 10), o Léo decretou o “Laissez – Faire” geral: cada um por si e Deus por todos. Devidamente abastecidos por algumas garrafas de guaraná “Tuchaua”, o do sabor incomparável, fomos para o ringue. Literalmente. A pista de dança tinha o formato e os adereços utilizados nas contendas da “nobre arte”, como córneres, cordas e o indefectível gongo. Nada mais propício, pois desde que o mundo é mundo, trava-se a eterna batalha por um belo par numa pista de dança.

O som era simplesmente incomparável, pois estávamos no coração da zona franca e certamente era o que havia de melhor no Brasil, quiçá no mundo, em termos de aparelhagem de som. Sem falar na iluminação, que provavelmente só chegou ao sudeste uns dois anos depois. A seleção musical estava dentro do script, com todos dançando as “babas” (sucessos) da época e suas respectivas coreografias. Até que aconteceu:

Se Paulinho um dia disse não poder definir “aquele azul”, este humilde blogueiro não pode, mesmo com a mais avançada das mais avançadas das tecnologias, definir aquele som. Talvez fosse a batida primeira da Estação Rosa – Esmeralda; quem sabe o grito primal oriundo da lama e do caos; o eterno tic tac do tempo a martelar menos um segundo pra nada; era um som visível, ou uma luz audível, isso, isso, ou aquilo.

Era o início.

Eu e o mano corremos pro discotecário (ainda não havia DJ) pra saber afinal whadafoque…

O cara fez aquela cara “blasé” de quem tem o ás na manga, mas não pode demonstrar emoção senão perde a mão, e liminarmente esnobou, empunhando a capa do recém-lançado exemplar importado do LP de estreia daquele crioulinho que cantava no Jackson Five: um certo Michael.

A música tornou-se jingle de abertura do Video Show, e ficou conhecida pelo refrão literal “que bom, tô no posto, tomate e guaraná”… o crioulinho se tornou o maior astro da história, superando os Beatles e os Rolling Stones, e o resto todo mundo já sabe.

O que realmente me incomoda, é que, em algum momento, todos nós o odiamos. Sua única condenação foi decretada pela mídia, mas mesmo assim nos assustamos com todas as suas esquisitices. Todas aquelas noites de domingo em que aguardávamos ansiosos pelo lançamento de seus clipes no último bloco do Fantástico, se foram. Todas aquelas tardes que passamos tentando aprender suas coreografias, miseravelmente se foram.

E ele viveu pra trazer alegria, dança e música a todos. E só isso. E nós o tiramos de nossas vidas. E ele foi brilhar em outros palcos. Ele pode.

E era o fim.