Raul de Leoni
Raul de Leoni, festejado poeta fluminense, escreveu Luz Mediterrânea, onde, em quase todas as poesias, usa a palavra alma; cheguei a contar, não lembro ao certo a estatística, poderia dizer que 95 % das poesias falam em alma. Está claro, que na “Canção de Todos” ele fala muitas vezes mais, pois, ela trata das duas almas que nos aconselha ter. Morreu em 1926, com 31 anos em Itaipava, Estado do Rio. Em 1919 ele escreveu Ode a um Poeta Morto e, em 1922, lançou o livro de poemas a que me referi no início. Dentre os inúmeros volumes que comprei e sumiram de minha estante, consegui uma edição da livraria Martins Editora de S.Paulo. Ao ler a Canção de Todos, cismei com alguns dos versos: Alma que só se descobre para uma lágrima nobre, para um heroísmo afetivo, nas íntimas confidências de verdade e de beleza...Não me conformei com a perda da musicalidade; para dar ritmo precisávamos falar intimás confidências; passei a procurar em outras edições que me esclarecessem...Encontrei na João do Rio, junto ao palácio do Catete, uma edição que me esclareceu; ela mostrava a falta de um verso: Alma que só se descobre no mundo contemplativo para uma lágrima nobre, para um heroísmo afetivo...Outra questão é o final; não posso entender, que um poeta com tanta musicalidade pudesse terminar um poema de maneira estranha: "Duas almas tão diversas como o poente das auroras: uma que passa nas horas outra que fica no tempo". De fato não faz sentido, o plural de aurora e a falta de musicalidade final, um fecho murcho. O poema perde totalmente a força lírica: duas almas tão diversas como o poente das auroras “... uma que passa nas horas, outra que fica no tempo... ou: duas almas tão diversas como o poente da aurora, uma que fica no tempo, outra que passa nas horas! Leoni colocou plural em auroras, simplesmente para usar a rima horas.
Não tem sentido, uma vez que, o "s" não tem nenhum peso na métrica e hora é um dissílabo fraco; tanto faz o singular ou o plural, não perdendo, todavia, o sentido do tempo marcado, com a vantagem de dar um fecho forte ao poema, sem alterar os versos usados. Se não quiséssemos mudar os versos, poderíamos alterar-lhes as posições: Duas almas tão diversas, como o poente das auroras, uma que fica no tempo e outra que passa nas horas... Uma outra impropriedade do poema foi repetir uma expressão sobre a "alma boa" quando diz: “A outra alma, pérola rara dentro da concha tranqüila, profunda eterna e tão cara, que poucos podem possui-la...” quase no fim repete a expressão: “Alma profunda e sombria, que ao fechar-se cada dia...” De qualquer modo, fica a certeza de que a primeira parte do poema em que trata da alma para os circunstantes é mais perfeita e de maior musicalidade, além da precisão métrica. O poema no conjunto dos seus 112 versos é uma obra prima de literatura alternativa...Quando eu digo que poesia é literatura alternativa, não quero desmerecer os grandes poetas, apenas dizer, que o leitor, exclusivamente de poesias, escolhe um ramo da literatura com muitas facilidades de leitura, de interpretação tipo fast reading. Concordo que há obras extraordinárias na poética, cito Shakespeare, Camões e Dante Alighieri, Pessoa etc. Muitas poesias de grandes poetas, junto a versos magistrais de inspiração e técnica, têm bobagens inacreditáveis. José de Falco chama atenção da obra magistral de Florbela Espanca, onde prolifera esse tipo de paradoxo. O Raul de Leoni está enquadrado no mesmo erro. Saudações!