Fernanda (cantora de fados)

Te conheci na paragem do autocarro. Por acaso estávamos indo para o mesmo lugar. Visitar o Castelo de São Jorge.

Ao chegar na entrada do castelo, começamos uma longa e gostosa conversa.

Ouvindo você falar o que se passou e se passa em sua vida, senti-me como uma criança aprendendo a viver a vida de verdade.

Falaste-me do teu amor, do desamor e do amor novamente.

Que fostes deixada por teu amado quando completastes 32 anos de casamento.

Ele foi-se embora com outra pois a tinha engravidado e para ti jamais voltou. Passado alguns meses nasceu uma linda criança.

Mesmo assim tu o perdoaste e acompanhas o crescimento deste filho dele, filho este que também consideras teu.

Ah, doce mulher. Que grandeza tem o teu coração.

Contaste-me que o teu amado havia falecido há dois meses apenas e por isso essas roupas pretas pois estás de luto sofrendo a perda do teu grande amor mesmo sem tê-lo há mais de dez anos.

Também contaste-me que tens um filho de 43 anos, que é fruto desse amor. Disse-me que teu amado agora foi-se embora para sempre, deixando-a com dois filhos. O vosso e o dele com a outra, mas que tu o amas como se fosse teu.

Ah, doce mulher. Que grandeza tem o teu coração.

Me contaste também que havia perdido tua mãezinha quando tinha apenas três meses de vida. Assim o vosso pai ficou viúvo com quatro filhos para criar.

Sozinho, ele teve muitas dificuldades e não estava conseguindo cuidar de tudo.

Então, tu e teus manos foram criados por uma tia e a vida não foi nada fácil para vocês.

Sempre teve que trabalhar. Dos sete anos até os doze trabalhou dentro de casa e dos doze em diante sempre trabalhou fora.

Hoje com 63 anos estás reformada (aposentada). Disse-me que nasceste com saúde precária e que desde pequenina sempre foste doentinha e que em teu corpinho já haviam feito dez cirurgias.

A mais grave foi da coluna e por isso andas com o auxílio de uma bengala.

Ah, doce mulher. Contaste-me tudo isto e também dos teus gostos e desgostos, dos teus encantos e desencantos, das tuas alegrias e das tuas tristezas.

O teu maior desgosto, desencanto e tristeza está sendo a perda do teu amado.

O teu maior gosto, encanto e alegria é poder preencher este vazio cantando fado.

És uma pequena grande mulher de rosto triste mas ao mesmo tempo sereno.

Mulher de olhar fixo e pleno, sorriso cativante e terno.

Tu tens uma pura alma.

Cantas o fado porque o amas.

Levando emoção ao público e não deseja fama.

Cantas o fado no Castelo de São Jorge

E nas ruas de toda Alfama.

E assim vais vivendo. Cantando fado com tua linda voz, sem timidez igual a um rouxinol.

Ah, doce mulher. Que grandeza tem o teu coração. Mesmo estando aos pedaços.

Um fado me cantaste só para me agradar.

Me emocionei de tal maneira

Que comecei a chorar.

Homenagem à Fernanda, minha mais nova e doce amiga.

Muito obrigada pelo prazer que me deste. De partilhar comigo tua linda voz. Da tua força e da vontade de viver.

Tua história de vida me ensinou que com amor e perseverança, um dia vamos vencer.

Sua amiga Clarice de Jesus

07/09/2009