Memórias esfumadas - Tankas
Memórias - Tankas
01. febril madrugada
sobre as costas de meu pai --
distante rodovia
que escrever nesta manhã
senão memórias que esfumam?
02. eu e minha irmã
camisa azul e vestido rosa
um ao lado do outro
imagens que vão resistindo
desapareceu o velho quadro
03. o casal de noivos
adiante de um guarda-louças
e nunca sorriam
na imagem tão repetida
a presença de um bonsai!*
04. a família abraçada
no poster já descorado --
festa de formatura
onde estavam nesse dia
o pai e o filho caçula?
* Lá pelos anos 60 do século passado, os casais costumavam encomendar um quadros pintado (crayon sobre uma montagem resultante da fotografia sobre um fundo já preestabelecido e impresso, realizado por "retratistas" itinerantes), cuja moldura oval era pendurada na sala da casa.
O casal, sempre de pé. No tal fundo preparado, a imagem de um lar bem decorado (uma fantasia muito distante da realidade dos retratados, que moravam, às vezes, em casas de taipa - caso da minha família), onde se destacava uma espécie de guarda louças, sobre cuja peça de base, aparecia uma tigela com uma arvorezinha - que intrigava a mim e aos meninos que viviam nos limites culturais da zona rural.
Só na pré-adolescência, já morando na cidade, fui descobrir num programa de televisão, que aquele "arvorezinha na tigela" era, na verdade, um bonsai. Depois de satisfeita a curiosidade longamente alimentada, surgia uma pergunta: o que fazia um bonsai numa composição artística que, supostamente, deveria retratar a cena de um casamento de gente do interior de Goiás?