O que é não conhecer a própria língua

Nota do Prof. Doutor António Pereira:

“Nossa Senhora da Língua Portuguesa, tende piedade de todos aqueles que escrevem a vossa língua. Que eles tenham sempre, em mãos, um bom dicionário, e se não for pedir muito, um manual de gramática. Amém!”

SUZANA PEDROSO

Não tenho dúvidas de que estas poderiam ser palavras de Littera-Lu. Implacável com o erro, o autor apresenta-nos neste espaço uma "compilação" de enunciados representativos do uso indevido que os "media" angolanos fazem da língua portuguesa.

Dá-nos as regras, não se coibindo de fazer, com o sentido de humor que o caracteriza, comentários impiedosos…

1. «Três anos depois, o filho acabara por morrer e as duas filhas que viviam em Portugal voltaram para Angola, para ASSISTIR O funeral e não mais conseguiram regressar»; ___ Jornal Angolense de 10.2.12, p.11.

2. «Escola '17 de Setembro', na Maianga, 7045, no Cazenga e 407, na Funda, são apenas alguns dos exemplos de excesso de alunos nas escolas de Luanda. Cada sala chega a ter 80 alunos por aula. A situação é mais preocupante nas privadas onde a fiscalização da Direcção Provincial da Educação nem sempre chega»; ___ Nova Gazeta de 19.7.12

3. «Angola deixou de produzir açúcar em 1991, quando encerrou a açucareira de Dombe Grande, em Benguela. Antes uma outra também fechou as portas, açucareira 'Heróis de Caxito', no Bengo»; __ Id., Ibid.

4. «Valquíria Rocha, campeã de xadrez, diz-se decepcionada com a Federação de Xadrez, por ter sido afastada das Olimpíadas da modalidade que se realizaram na Turquia, entre 29 de Agosto a 9 de Setembro. Segundo a xadrezista, a Federação alegou que ela tinha "idade avançada" para competir. Por isso, Valquíria Rocha, de 22 anos e TETRA-CAMPEÃ nacional, já pensa em desistir da modalidade»; __ Nova Gazeta de 20.9.12

5. «A medida da administração do Cazenga apanhou em "contramão" muitas vendedoras daquele município, tido como o mais populoso de Luanda. Uma MEGA-OPERAÇÃO de 'limpeza' começou no perímetro da Cuca com a retirada de muitas zungueiras que comercializavam os seus produtos na estrada e nos passeios»; __ Nova Gazeta de 20.9.12

6. «A Força Jovem do Morro Bento, ligado a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), realizou no passado dia 23 de setembro do ano em curso, no Cenáculo do Morro Bento, na Avenida 12 de Janeiro em Luanda, a terceira edição da gala denominado "Gala das Divas", com o objectivo de exaltar a AUTOESTIMA feminina das jovens e adolescentes da instituição»; __ Folha Universal, n.º 92, de Outubro de 2012

7. «A organização vai entregar oito MOTO-BOMBAS, com capacidade para irrigar até seis hectares, às 26 associações e cooperativas das quatros comunas do município da Cacula, para servirem de alternativa às escassezes de chuvas»; ___ Jornal de Angola de 22.6.12

8. «Nos lembramos de ter escri¬to nos finais dos anos 80, ainda no Jornal de Angola, uma crónica ou um artigo a denunciar determinada situação ne¬gativa que terá merecido DE IMEDIATO uma reacção presidencial a «repor a legalidade», que foi recebida como um prémio. Na verdade, sabe sempre mui¬to bem a um jornalista confirmar que o que escreveu, com a pretensão de ver melhorada ou banida alguma coisa, afinal, não caiu em saco roto. Ou seja: «quem de direito» tomou as devidas medidas.»; ___ Semanário Angolense, de 30 de Agosto de 2014, p. 2.

No primeiro caso em epígrafe, o verbo ASSISTIR está mal utilizado, dado não se tratar de ajudar, auxiliar ou socorrer alguém. ASSISTIR, no sentido de «ver», «presenciar», pede preposição «a» [Nós assistimos ao jogo da selecção angolana. A multidão assistiu ao jogo. / Assisti ao filme].

ASSISTIR, transitivo, sem a preposição «a», p. ex., «assistir alguém», quer dizer ajudar, acompanhar, socorrer; seguido de «a» (sempre fechado na pronúncia europeia) tem o sentido de «presenciar».

Por isso, no dia que o «Jornal Angolense» resolver «assistir (ajudar) alguém», lembre-se que existe o Centro de Acolhimento Arnaldo Jansen, que pode estar a precisar da sua ajuda!

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No segundo e terceiro casos em epígrafe, as ASPAS SIMPLES estão mal utilizadas, porque nomes de escola ou de qualquer outra instituição não devem vir entre ASPAS; basta o uso das INICIAIS MAIÚSCULAS.

Eis uma reflexão a propósito, da autoria de Sacconi, num artigo …: "As aspas aparecem depois da pontuação somente quando abrangem todo o período. Caso contrário, a pontuação ficará depois delas. Quando já existem aspas numa citação, ou numa transcrição, use aspas simples. Citações isoladas podem aparecer sem as aspas."

É uma pena, lamentamos!, que não existam mais "Sacconis" entre nós, servindo-me de uma frase do irmão na língua David Fares

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No quarto caso em epígrafe, o prefixo TETRA está mal utilizado, porque se trata de um prefixo que dispensa o emprego do HÍFEN [TETRAcampeão, a selecção angolana de futebol é TETRAcampeã!]

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No quinto caso em epígrafe, o prefixo MEGA está mal utilizado, dado que se trata de um prefixo que nunca emprega hífen [MEGAhertz, MEGAlómano, MEGAtonelada, MEGApolis].

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No sexto caso em epígrafe, o prefixo AUTO- está mal utilizado, dado que se trata de um prefixo sujeito ao emprego do HÍFEN, quando o segundo elemento possui vida própria e começa por «vogal», «h», «r» ou «s» [AUTO-estrada, AUTO-hemoterapia, AUTO-retrato, AUTO-sugestão - mas: autonomeado, autocrítica].

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No sétimo caso em epígrafe, o prefixo MOTO- está mal utilizado, dado que se trata de um prefixo que dispensa a companhia do hífen [MOTObomba, MOTOciclismo, MOTOnáutica, MOTOrreactor].

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Quanto ao de imediato, só mesmo se se tratasse de … Ou será, antes, a falta de (bons) revisores no «Semanário Angolense (SA)»?

O meu argumento, aliás, encontra-se baseado nas sempre e doutas lições do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, para quem: «IMEDIATO... e não «de imediato». Talvez melhor: «imediatamente». [Tornou-se um modismo e pode ser substituído, com vantagem, por outras expressões de sentido equivalente: «desde logo», «logo», «a seguir», etc...]».

Senhores jornalistas, economizem o nosso tempo, a nossa paciência e o espaço do seu jornal!

BIBLIOGRAFIA:

CIBERDÚVIDAS DA LÍNGUA PORTUGUESA

MATOS, João Carlos. «Gramática Moderna da Língua Portuguesa», 1.ª Edição, Escolar Editora, Lisboa, 2010.

«Português: os 100 erros mais frequentes»:

Manual de Redação e Estilo, jornal OESP /Eduardo Martins, 1997. Acessado in *Kaleidoscópio Literário* ("site" de Kathleen Lessa) a 3 de Setembro de 2014.

Littera Lu
Enviado por Littera Lu em 04/11/2014
Código do texto: T5022947
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